Minha Primeira Maratona

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(...) Naquele momento eu não sabia sequer se completaria a prova, muito menos o que teria pela frente. Eu não era um corredor e sim leitor do Jornal do Brasil (...)

Montagem com foto da maratona do Rio'85 - 9.000 maratonistas pouco depois da largada.


Minha Primeira Maratona

Amigos!

A noite acabara de cair sobe a Avenida Perimetral, mas não havia sequer um carro ali. Ao invés do ronco raivoso dos motores ou do silvo apressado dos pneus, no velho elevado só se ouvia o barulho de passadas e respiração ofegante de nada menos que  9.000 maratonistas.

Estávamos em plena Maratona do Rio de 1985 e, para falar a verdade, por volta das seis e meia, quase todos os corredores já haviam passado por ali. Mas não eu, que simplesmente estava entre os últimos - aqueles que caminham ou trotam por cima dos copos de plástico espalhados pelo chão, dando a sensação de fim de festa. Se eu precisei de duas horas para cumprir os primeiros 13 km, do Leme ao elevado, quantas horas mais eu precisaria para concluir os 42 km de prova?

Essa pergunta só chegou agora, para compor o texto. Naquele momento eu não sabia sequer se completaria a prova, muito menos o que teria pela frente. Eu não era um corredor e sim leitor do Jornal do Brasil. Foi nas páginas de esporte que encontrei a coluna do José Inácio Werneck (veja o vídeo), falando da Maratona do Rio. Fiquei encantado e vislumbrei a possibilidade de me tornar maratonista. Fiz a inscrição, sem antes fazer nenhum treino. Apostei nos conselhos de Werneck e alternei entre correr e trotar a cada três quilômetros.


No vídeo: Werneck em entrevista à ESPN descreve um pouco da época protagonizada por ele.

Ainda na Perimetral, fiz o retorno pouco antes da Rodoviária Novo Rio. Não existia chip no ano em que o Brasil se enlutou com a morte de Tancredo Neves e o congresso aprovou a emenda das eleições diretas. Havia etiquetas fixadas ao número de peito, que o corredor destacava e entregava aos fiscais. Entreguei uma delas na virada e, enquanto a noite se aprofundava, segui pelo Aterro, rumo à Zona Sul. Esforço-me para lembrar dos detalhes pois lá se vão 29 anos...

Lembro-me de um trecho muito difícil, entre os túneis de Botafogo. Eu já devia estar "correndo" por quase quatro horas, praticamente sozinho e totalmente esgotado. Seguia em uma faixa estreita, na contra-mão da pista. Fui bombardeado pelos faróis dos carros. As rajadas de luzes queriam me abater. Pensei em desistir, sucumbir sentado no meio-fio, mas perdurei.

Atravessei o túnel e me aproximei do Leme - local de largada e chegada. Mas isso ainda não era uma boa notícia. Para cumprir todo o percurso, eu teria que me afastar em direção ao Leblon e só depois retornar pela orla. Ainda faltavam 15 quilômetros da prova!

Fiz aquilo que pude: caminhei, caminhei, caminhei... Nem lembro ainda se consegui voltar a trotar vez ou outra. Calculo que fiz o último retorno, no Leblon, por volta das oito e meia. Quando cheguei à Copacabana deparei com mais retardatários tão esgotados quanto eu. Corredores que já tinham concluído a prova passavam no calçadão exibindo as medalhas sobre o peito. "Vou buscar minha medalha!" - pensei, sem ter dúvidas de que concluiria a prova.

Gostaria muito de lembrar das luzes noturnas de Copacabana, das pessoas passando rente a areia e do barulho do mar. Queria embutir isso aqui, mas o tempo decorrido deixou tudo muito vago. A essa altura, até mesmo meu sofrimento na prova é vago. O que não me esqueço são das luzes da chegada cada vez mais próximas, do som da chegada cada vez mais alto... O Leme, enfim, surgiu!

As arquibancadas do Leme abriram um vão generoso em forma de pista pintada de branco, como uma mulher promíscua que se oferece para um jovem debutante. Eu, debutante na corrida, merecia penetrar naquele paraíso. Merecia receber o afago em forma de aplauso da pouca platéia que ali permanecia!... Iluminada por refletores mais potentes que o sol, a chegada da prova, no entanto, não era uma simples mulher promíscua. Ela era a musa mais bela da Praia do Leme, prestes a ser conquistada!

Impingi-me de uma força sobrenatural e suplantei o cansaço. Uma forte emoção injetou adrenalina nos meus músculos e eu desabalei a correr forte, rumo à chegada. Corri os últimos 500 metros como sequer havia corrido em todo percurso.

Esfuziante de alegria cruzei a linha de chegada e me tornei maratonista!


É possível notar (na foto) a reação das pessoas e o quanto de emoção eu fui tomado ao concluir a prova.


Abraços!
Bira.


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