Imagem composta por recortes de fotos da internet, utilizando os apps Gimp e Paint - Bira, 02/11/15. |
Introdução II
Morto. É assim que me sinto ao completar um ano sem correr... Mas nem tudo na morte é tão triste quanto aparenta para os vivos... Saibam que agora, que sou um corredor falecido, ouço as conversas de todos vocês!... Informo-lhes que é inútil cochichar para esconderem o que falam de mim. Informo-lhes que é inútil, até mesmo, se calarem pois leio seus pensamentos. Pior ainda: leio os pensamentos antes deles surgirem nas suas mentes!... Portanto, sei muito mais de vocês do que vocês próprios sabem de si.Não tenham pena de corredores fantasmas como eu. Saibam que eles têm uma infinita vantagem diante dos vivos. Pra começar, não precisam gastar fortunas com suplementos e material esportivo. Ainda por cima, eles podem participar de qualquer prova, em qualquer lugar do mundo, sem pagar viagem, hotel ou inscrição! Eles não estão aprisionados na carne sensível que pulsa, que sua e se fere ao esbarrar com outra carne sensível...
Mas vamos deixar as revelações do mundo oculto de lado e mergulhar nas recordações do mundo visível. Seguem as memórias de quando me viam correndo nas ruas:
Capítulo VI - Correndo nos Anos 80
Para falar das corridas dos anos 80 é necessário ambientar o leitor àquela época. Havia pouca informação e recursos disponíveis para quem se propusesse a correr... Havia muito menos ainda para mim, nascido no subúrbio, onde só se falava de futebol. Já relatei isso em outra postagem, com o texto a seguir:" (...) Esqueça tudo que você entende de corrida de rua hoje: Esqueça das suas camisetas e bermudas tecnológicas que não retêm suor. Esqueça dos seus tênis importados que se adaptam ao formato do pé. Esqueça do seu frequencímetro Garmin que localiza o satélite para medir o percurso. Esqueça até mesmo dos seus fones de ouvido. Esqueça, sobretudo, dessa grande quantidade de amigos corredores que treinam contigo...
Pronto, agora você está em 1985 e corre sozinho na beirada do asfalto. Seus tênis são feitos de lona azul e têm sola dura de borracha. Sua camiseta é branca e de algodão. Ela vai ficar encharcada de suor, vergonha e raiva, quando alguém lhe chamar de maluco na rua...
Isso mesmo, em 1985 e só os "loucos" corriam, enquanto as "pessoas normais" davam longas tragadas em seus cigarros, imitando os atores de Hollywood e desportistas dos um comercias de TV. (...)" - Trecho de: Além do Blog - Meu País Maratona.
Foi nesse cenário que eu saí, do nada, para correr a Maratona do Rio... Isso mesmo que eu quis dizer: inscrevi-me na longa prova sem sequer dar um treino. Veja no capítulo seguinte:
Capítulo VII - Minha Primeira Maratona
Selecionei dois trechos do relato que fiz, 29 anos depois, da minha primeira corrida: O momento em que eu quase abandonei a prova, por esgotamento, e a emoção da chegada...1- "(...) Lembro-me de um trecho muito difícil, entre os túneis de Botafogo [ já era noite ]. Eu já devia estar "correndo" por quase quatro horas, praticamente sozinho e totalmente esgotado. Seguia em uma faixa estreita, na contra-mão da pista. Fui bombardeado pelos faróis dos carros. As rajadas de luzes queriam me abater. Pensei em desistir, sucumbir sentado no meio-fio, mas perdurei. (...)"
2- "(...) As arquibancadas do Leme abriram um vão generoso em forma de pista pintada de branco, como uma mulher promíscua que se oferece para um jovem debutante. Eu, debutante na corrida, merecia penetrar naquele paraíso. Merecia receber o afago em forma de aplauso da pouca platéia que ali permanecia!... Iluminada por refletores mais potentes que o sol, a chagada da prova, no entanto, não era uma simples mulher promíscua. Ela era a musa mais bela da Praia do Leme, prestes a ser conquistada!
"Impingi-me de uma força sobrenatural e suplantei o cansaço. Uma forte emoção injetou adrenalina nos meus músculos e eu desabalei a correr forte, rumo à chegada. Corri os últimos 500 metros como sequer havia corrido em todo percurso.
"Esfuziante de alegria, cruzei a linha de chegada e me tornei maratonista!" - Trechos de: Minha Primeira Maratona.
No ano seguinte voltei a correr a Maratona do Rio, que foi marcante, com largada no pedágio da Ponte Rio-Niterói. No vão central, helicópteros se aproximavam para nos filmar. Motivado, fui fazer a Maratona de São Paulo no mesmo ano. Completei aquela prova arrastando uma das pernas que ficou totalmente travada, no último quilômetro. Fui socorrido e recebi uma massagem milagrosa, que resolveu o problema.
Eu sentia um orgulho tremendo de ser maratonista e não me importava em correr sozinho pelas ruas noturnas dos bairros. Muito pelo contrário: a corrida me distinguia dos demais, mas nem tudo estava bem... Eu comecei a urinar sangue e o médico diagnosticou que eu tinha cálculos renais. Vieram as crises que me faziam rolar de dor pelo chão. Tentei continuar a correr, mesmo assim, mas foi a vez de sentir os joelhos. Depois de muitas tentativas de retorno frustradas eu não vi outra escolha senão tentar esquecer a corrida, e parei.
Capítulo VIII - Um Exilado da Corrida
Não falarei dos 23 anos em que eu não corri, mas farei uma ressalva: Houve momentos que eu tentei voltar e implementei alguns treinos, sempre sentindo os joelhos e desistindo. Nas férias, aproveitava para correr longos trajetos nas areias de qualquer praia do Brasil. Triste, absorvi a ideia de que a corrida não era para mim. Aos 48 anos voltei, muito mais informado e menos afoito. Comecei nas corridas curtas e só cheguei à maratona três anos depois. Mesmo assim, voltei a me lesionar seriamente e agora estou morto outra vez!Capítulo IX - Morrer É Preciso!
É necessário estar morto para perceber as conexões que unem as almas. É necessário se despir dos sentidos que aprisionam o indivíduo à carne, criando ilusões. Quem lamentou que eu morri sem realizar o sonho de correr na Europa, acalme-se: Agora eu corro em qualquer lugar!... Basta conectar a minha alma liberta à de qualquer corredor! Agora corro nos lugares mais belos, onde os olhos da carne não enxergam, e se enxergassem não seriam capazes de perceber a beleza!Continua nas próximas postagens...
Abraço!
Bira.
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