Amigos!
Meu presente de aniversário chegou três dias antes. Não era livro, camisa, sapato nem carro. Não era tangível. Não tinha cheiro, nem cor ou sabor. Difícil descrever um presente sem forma, mas que fluindo da alma se transforma em lágrimas da mais pura alegria. A emoção que senti ao entrar no corredor de chegada, após percorrer 42 km na Maratona do Rio foi o meu presente.
A PROVA
A prova mais esperada do ano teve sua largada no dia 18 de julho de 2010. Um domingo de chuva intermitente e vento contínuo. Eram 7:30h da manhã no Pontal do Recreio. Para estar ali, aqueles 4.000 corredores acordaram no meio da madrugada – alguns mais ansiosos, como eu, nem dormiram direito. Antes do galo cantar, já haviam tomado banho e café. Já haviam vestido a roupa de corrida, fixado o chip no cadarço e o número na camiseta, encaixado o boné na cabeça e o relógio no pulso. Quando penduraram no ombro seu saco de treino, os objetos ali contidos chacoalharam. Para quem tá de fora, os sacos de treino dos atletas são versões light das bolsas de mulheres. Eles podem conter papel higiênico, gel de carboidrato, alfinetes, toalha, camiseta 2, vaselina, esparadrapo ou band-aid, sachê de sal, MP3 player, desodorante, etc... Se for atleta mulher, fica difícil especular seu conteúdo. Meu saco de treino é basicão. Pu-lo nas costas e quando saí de casa o sol sequer ameaçava nascer.
Pouco antes das seis, eu já estava na Kombi cheia de atletas, que saiu do Shopping Carioca rumo ao Recreio. Logo, a luz do dia acendeu o céu, que revelou carregadas nuvens ameaçando desabar seu pranto sobre a Linha Amarela. Na Av. das Américas, no entanto, percebemos que o tempo estava se abrindo, mas minutos antes da largada, no Recreio, prevaleceu o vento frio e algum chuvisco.
Nos primeiros 26km de prova consegui acompanhar o tempo impresso em minha pulseira de ritmo, que me levaria a concluir a prova em 3h 19min. Até ali, já havia deixado para trás a Praia da Reserva, a Barra da Tijuca e chegado a São Conrado. Estava feliz, correndo em um ritmo que não me parecia forte. Foi quando surgiu uma dor aguda na altura do estômago me obrigando a reduzir o ritmo das passadas. Lamentei, mas não parei de correr. Na medida que a dor diminuía ou aumentava, eu fazia o inverso com a velocidade. Convivi com este incômodo na subida e descida da Niemayer, Leblon, Ipanema e Copacabana. O chato foi perceber que tinha pernas para acelerar, mas se o fizesse eu quebraria devido à dor. Neste trajeto, muita gente me passou e eu tive de me conformar.
Na altura do quilômetro 38 percebi que a dor se dissipara. Já estava deixando Copacabana, rumo à Botafogo, e pude acelerar. Rasguei a pulseira de ritmo, que não servia para mais nada, já que eu perdera com a desaceleração uns 14 minutos. Desta vez eram os pés que doíam, parecendo que os tênis fossem menores
em um número – mas saibam que eles são um número maior, para dar mais conforto. Sem dor no abdômen, no entanto, nada iria me deter naqueles últimos quilômetros. As pernas me pediram para parar e eu disse não. Faltava pouco. Segui eufórico pela pista curva que acompanha a praia de Botafogo, estava realmente chegando! Familiarizei-me com aquela paisagem onde treinei várias vezes e participei de tantas corridas mais curtas. Lá estava o Pão de Açúcar, que rouba a cenas nas fotos dos atletas, atrás do espelho d’água, onde deslizam os veleiros da enseada.
Mais uma curva e surgiu a placa de 41 km. Um corredor de vermelho acelerou e me passou. Eu estava exaurido, mas o usei como estímulo para tentar manter boas passadas. Aproximei-me do cara e falei: “Vamos juntos até a chegada!” O final da última curva revelou o corredor de chegada. A larga pista do Aterro estava margeada pelas tendas das assessorias esportivas, academias e anunciantes de um lado. Do outro, uma arquibancada. Módulos de aço se encaixavam formando uma longa cerca de proteção, atrás da qual várias pessoas aguardavam com ansiedade a chegada dos seus corredores (filhos, maridos, esposas, amigos, etc...). No final, o pórtico de chegada era uma das imagens mais lindas que eu já vi. Comparável a um oásis incrustado na aridez.
Quanto mais me aproximava da chegada, menos cansaço sentia. Milagrosamente os pés e pernas pararam de doer e eu comecei a correr mais forte. Esqueci completamente do corredor de vermelho, deixado para trás, e senti uma alegria indescritível. Sinceramente lutei para não chorar. Desabafei com brados de euforia. Enquanto corria, agora desembestado, exclamava: “Isso é muito bom, porra!”, para delírio da platéia. Fiz aviãozinho, dei saltos sem nexo e deixei mais uns três para traz nos últimos metros. Num lapso de consciência me auto-repreendi, pensando: “Que mico!... Você tá querendo aparecer?” Noutro lapso de liberdade respondi a mim mesmo: “Nada disso, eu tenho direito de desabafar!” Então desliguei o cérebro e fui conduzido pela emoção. Completei a maratona, incorporado na pele do homem mais feliz do mundo.
Abraços,
Bira.