quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Buenos Aires Maraton II - O Choro da Vida

Amigos!

A emoção encobriu o meu cansaço feito os troncos de árvore que encobriam a pista do parque, a poucos metros da chegada.

O voo atrasou e o avião pousou às três da tarde no Aeroporto de Ezeiza. O céu aberto apresentava uma luz estupenda, parecia meio-dia. Apesar disso, o termômetro oscilava entre 18 e 20 graus, pensei: "Se fosse no Rio, eu estaria cantando o "Ala-laô..." No caminho entre o saguão do terminal e o ponto de ônibus, escolhi caminhar pelo sol.

É larga e bem cuidada a estrada que se estende até o Centro. Tem gramados bem aparados, pinheiros e outras espécies de árvores que não vemos no Rio. Bastou 25 minutos de estrada, no entanto, para ver o concreto espantar o verde, tornando aquela metrópole tão impermeável quanto as demais. Procurei na estrada uma placa de "Benvindo", mas àquela altura eu já devia ter passado por ela.

Quando o ônibus deixou a larga via e se embrenhou na lentidão do trânsito, percebi que a luz do sol já era enviezada e menos intensa. No Centro da Cidade, o mesmo concreto que antes enterrou o verde, agora se elevava tentando encobrir o azul do céu. As sobras dos prédios se uniam num simulacro da noite. Cheguei ao hotel.

*             *           *



E não é que os americanos tinham razão?!... Buenos Aires, finalmente, é a capital do Brasil. O real forte inverteu a mão e os argentinos, que tristemente opataram pela adesão ao ALCA, foram abatidos pela crise. Na Rua Florida só se fala Português.

Depois de hospedado, minha primeira preocupação foi retirar o kit de corrida. Mapa na mão, deu para ir a pé do hotel até a Faculdade de Direito. Depois, bati-perna, jantei e voltei para o quarto. Acordei às 8:30h de sábado, refeito de não ter dormido na noite anterior. Não quis fazer cith tour e fui tomar café num shopping distante, aproveitando para caminhar pela Av. Corrientes. Observei nos cartazes dos inúmeros teatros e casas de espetáculos daquela avenida que brasileiros também estão em cartaz. Maria Bethania, Elza Soares e outros...



Às oito da noite resolvi deixar tudo arrumado, tanto para a corrida quanto para o retorno no dia seguinte. Às nove deitei, mas durante toda a noite eu só dormi por uma hora. Levantei às cinco bem disposto e fui, de taxi, para o local da largada.

O frio não era forte nas redondezas do estádio do River Plate. Árvores grandes e de copa pouco densa filtravam a luz da manhã. Não havia tumulto. Os atletas respeitavam sua área de largada definida de acordo com seu ritmo de prova. Descobri que além dos brasileiros, estava cheio de chilenos ali. Faltando oito minutos para a largada, a "música de academia" parou para que um vistoso (e inadequado) cantor de terno bege e voz grave, interpretasse o interminável hino argentino. Mas logo deu sete e trinta e a arquibancada delirou quando seis mil e quatrocentos atletas dispararam na largada.



A Maratona de Buenos Aires não é tão bela quanto a do Rio, mas deu um show de organização. Para se ter uma idéia, se Gatorade tivesse álcool eu terminaria bêbado. A bebida foi distribuída em oito pontos, além de muita água em garrafas pet, chuveiros ou nas esponjas embebidas. Voluntários entregavam bananas e laranjas cortadas de modo a facilitar a degustação. Uvas passas e ameixas secas sem caroço repunham a energia dos corredores. Mas se nada disso servisse para dar mais gás aos maratonistas, o incentivo de jovens uniformizados ao longo do percurso certamente o faria, e fez! Os quilômetros passavam brincando sob as solas dos tênis. Aproveitei o clima e brinquei muito com a garotada, estendendo a palma da mão para ser tocado, fazendo aviãozinho, e eles respondiam com o coro de "Brasil, Brasil!..." Uma festa!


Cantores, músicos e dançarinos foram posicionados em vários pontos do trajeto. Se no kilômetro 5 um casal dançasse tango, no 10, um conjunto mandava um rock. Mais à frente, outros cantavam boleros, ritmos regionais e até o nosso samba. Na altura do kilometro, 15 duas loiras - crones de Xuxa - balançavam cabelos e coxas para delírio das crianças e dos marmanjos, por diferentes motivos.

Fiz tanta festa e acabei chamando à atenção de outro carioca, residente em Brasília, que emparelhou ao meu lado. Corremos por vários kilometros conversando e essa foi a melhor ajuda que obtive. Não fosse isso, eu acabaria seduzido a aumentar o ritmo muito antes da hora. Mas foi este mesmo cara que no kilometro 28 comentou: "Tem muita gente nos passando, agora..."  Fiquei com medo, acelerei e não vi mais o cara. Àquela altura meu ritmo projetava a chegada
8para 3h26'. Passei bem pelo fatídico km32 onde percebi que o tempo de chegada caíra para 3h22'. Animado, não pensei que sentiria a queda de rendimento ocorrida no km37, acompanhada duma ardência nos ombros e ameaça de dor no abdome. Vi que não daria para reagir e me contive até o retão do km39. Pasaram as dores, dando vez a um esgotamento que não me deixava acelerar. Foi quando eu disse para mim mesmo: "É tudo emocional!... Se já me sento melhor, posso acelerar!" Deu certo e eu sentei-o-pé o mais que pude até o fim da corrida.





Cheguei com o meu cronômetro marcando 3h26'42". Dez minutos melhor que na

Maratona do Rio. Chorei copiosamente. Chorei o que não quis chorar na maratona carioca. Chorei por tudo que me fez voltar a correr e por toda vida que me levou aquele momento. Um corredor argentino amparou-me com um abraço, chamando-me de "campeón", mas ele próprio acabou chorando junto... Parecia tango!...

Ainda sinto vontade de chorar o choro da vida, que me trouxe ao mundo a meio século e que me faz renascer em momentos como esse.

Quando fui conferir o tempo oficial fiquei meio frustrado pois havia uma diferença inexplicável de 4 minutos: Foi registrado 3h30'30", enquanto que o meu cronômetro marcara 3h26'42"... Mas não tem problema: A próxima maratona eu vou percorrer em 3h20'!... Aguardem e confiram!

Abraços!

Bira.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Buenos Aires Maraton I - A Conexão de 5h.

Amigos!

Pouco antes das seis da manhã não é possível avistar São Paulo da janela do avião. A cidade foi encoberta por um imenso tapete de nuvens que reflete os primeiros raios solares, lembrando pele de ovelha. Do lado de cima daquele manto, o céu é azul claro e o sol emite raios amarelados que se esgueiram entre nuvens distantes. Minutos depois, a nave perde altura na intenção de pousar e transpassa a barreira turbulenta de nuvens. Sob o tapete, o céu então se acinzenta e a cidade se revela, embebida de orvalho, no Aeroporto de Guarulhos. Não faz frio, mas a sexta-feira promete chuva na Terra da Garoa.

A noite passou e eu não dormi. O vôo noturno obrigou-me a chegar no Aeroporto do Galeão antes das três da manhã. Agora, em Guarulhos, devo aguardar infinitas cinco horas para trocar de avião e seguir para Buenos Aires... Paciência. Deito a bagagem no carrinho, relaxo o corpo sobre a poltrona de aço e escrevo. O cheiro dos folhados não me desperta fome naquela manhã. Preferiria comer uma fruta e pão francês crocante com manteiga. No lugar de café, um suco. Mas nem tenho pressa de procurar isso agora.

Nesta véspera de feriadão (08/10) o terminal está movimentado. Uma onda de sono faz meus olhos cerrarem e as mãos pararem de escrever. Antes que a caneta caia, acordo, mas não abro os olhos – brinco de tentar visualizar o panorama no terminal. De olhos cerrados ouço as rodas dos carrinhos e das malas deslizarem no chão de granito. O espocar dos saltos de sapatos femininos marcando o ritmo de conversas contidas. Sinto que vou dormir e, por segurança, jogo as pernas sobre a bagagem.

O sono vem e interrompe este relato...

Abraços!

Bira