Nono Xavier acena como um rei na retaguarda da Meia Maratona Internacional do Rio. |
quinta-feira, 30 de agosto de 2012
Fazer Amigos e Viver com Alegria
(...) É nesse ambiente desprovido da disputa que Nonô é rei. Um corredor que "não olha para o relógio e corre apenas para manter a boa forma física, fazer amigos, conhecer outros lugares e viver feliz!" (...)
sexta-feira, 3 de agosto de 2012
Sanduíche de Queijo
(...) A população endinheirada não tinha banco para depositar sua fortuna, não tinha aonde gastar e, mesmo que tivesse, não arredaria o pé de casa onde estava seu tesouro (...)
Tudo começou por volta das 21 horas de segunda-feira, quando o Centro da Cidade já estava ficando deserto e a maioria dos trabalhadores já chegou em casa. Nas calçadas da Av. Rio Branco, sacos pretos de lixo formavam pilhas e eram assediados por catadores e moradores de rua. Eles tinham pouco tempo para isso, até a passagem dos caminhões de coleta da COMLURB. Ônibus passavam deslocando o ar e espalhando folhas de papel que um saco revirado libertou. Mulheres, recém saídas dos escritórios, redobravam os cuidados para caminhar de salto sobre as pedras portuguesas, enquanto se desviavam de pedaços de isopor. Elas queriam se enfiar no primeiro táxi ou mergulhar na primeira estação do metrô. Todas tinham pressa. Quanto mais demorassem ali, menos tempo teriam para concluir as tarefas de casa e, enfim, descansar. Por isso, ninguém percebeu quando um catador de lixo passou à margem da calçada, em disparada, carregando três sacos pretos, imensos e estufados. Seus olhos esbugalhados bebiam o suor que escorria da testa, mas ele nem piscava. Seguindo em direção à Cinelândia, teve seu vulto camuflado entre as sombras da noite. Só então foi possível ver que a passagem do homem deixara um surpreendente rastro de cédulas de R$ 50,00, imediatamente disputadas por quem passasse. E a confusão foi se formando à medida que mais pessoas se abaixavam para catar dinheiro espalhado no asfalto. Carros freavam ou buzinavam para desobstruir o caminho. Um motorista que abriu a janela de seu táxi para xingar os pedestres espalhados na pista, juntou-se a eles quando viu o dinheiro no chão. O trânsito parou de fluir com mais pessoas abandonando os carros para disputar as cédulas. Outros dois catadores de lixo também passaram correndo na calçada carregando sacos cheios de notas de R$50,00 e R$100,00 que escapavam entre os rasgos. O taxista, então, percebeu o que ocorria e desistiu de catar dinheiro no chão, se atirando no amontoado de sacos mais próximo. Arrastou dois sacos para dentro de seu táxi. Sem hesitação, recolheu mais dois, e mais dois, até estufar seu carro, quando só então gritou:
- Os sacos de lixo estão cheios de dinheiro!!!
O eco percorreu toda Av. Rio Branco e se embrenhou nas transversais. Passageiros e motoristas desceram dos ônibus, balconistas se evadiam do comércio, porteiros e ascensoristas, dos prédios. Camelôs abandonaram suas barracas, guardas de trânsito largaram o apito... Havia muito dinheiro disfarçado de lixo em todas as calçadas! O suficiente para todos! De repente, becos fétidos e escuros que acumulavam lixo se transformaram em tesouros. Seguranças particulares e armados não tardaram para fechar um trecho da Rua 7 de Setembro, aonde se apossaram de pilhas de sacos de dinheiro. Jorjão, que assumiu a liderança do grupo, tentava em vão comunicar-se pelo celular com seu vizinho Ferreira, que possuía um caminhão baú para recolher toda a grana. Ferreira não atendia e ele ligou para o celular de sua mulher:
- Mulher, é urgente: Encontra o Ferreira e manda ele vir aqui para a Cidade que eu tenho uma carga preciosa!... Eu liguei para o celular e para a casa dele, mas ninguém atendeu!... É urgente!
- Jorjão, eu também quero falar contigo urgente!... Aqui no morro está acontecendo uma coisa muito estranha e maravilhosa!... De repente, aquela montanha de lixo do despejo - ninguém sabe como - se transformou em dinheiro!... Vem pra cá, pelo amor de Deus!... Ta todo mundo pegando o dinheiro e levando pra casa! Sua mãe, nossos filhos e eu já pegamos muito dinheiro e precisamos de você aqui... Agora tenho de desligar, ainda tem muito dinheiro lá! Tem dinheiro para todo mundo! É um milagre!... - falou e desligou o aparelho.
- Mulher, mulher!... Droga, desligou!,,, Que história é essa de dinheiro lá também??
Jorjão não poderia imaginar que na pobre comunidade onde morava, havia surgido mais dinheiro que no Centro da Cidade. Quanto mais lixo, mais dinheiro. Não poderia imaginar que o caminhão do Ferreira já estava cheio de notas de cem que ele próprio recolheu. Finalmente a profecia que Ferreira ouvia repetidamente de sua saudosa mãe, quando era criança, se cumprira:
- Meu filho, quando tu crescer vai ter um caminhão de dinheiro!
Às dez da noite, todo o lixo do Rio já se transformara em dinheiro. Toda a população carioca se ocupava em recolher o seu quinhão. Carros, barracos, mansões viravam depósitos. A madrugada chegou e ninguém dormiu na corrida ao tesouro. Não sentiam sono, nem fome, nem sede, até que o dia nasceu. Foi quando o sol se elevou mostrando uma cidade tão limpa, como nunca se viu. Se lixo virou dinheiro, desapareceu das ruas. Em algumas encostas e lixões, no entanto, ainda havia gente catando grana. Mas a maioria já estava enclausurada, tomando conta de seu montante.
Antônio foi um daqueles que não parou de catar o dinheiro que ainda restava no antigo lixão. Mara, sua esposa foi chamá-lo:
- Vem pra casa Tonho! Já temos muito dinheiro lá! Você precisa descansar e comer alguma coisa!
- Ainda tem dinheiro aqui também! Vou pegar o máximo que puder antes que acabe.
- Então coma pelo menos este sanduíche de queijo que eu fiz.
E assim Antônio prosseguiu catando dinheiro com uma mão e comendo sanduíche de queijo com outra.
* * * * *
Na terça-feira, ninguém foi trabalhar no Rio de Janeiro. Supermercados, farmácias, shoppings, hospitais... Estava tudo fechado ou abandonado. A população endinheirada não tinha banco para depositar sua fortuna, não tinha aonde gastar e, mesmo que tivesse, não arredaria o pé de casa onde estava seu tesouro.
* * * * *
A noite chegou na casa de Janete e, após o jantar, só restava assistir novela. Protegidos pelos muros altos, com janelas e portas trancadas, acomodaram-se pai, mãe e filhos nos sofás da sala. Enroscada no pescoço do marido, Janete traçava planos silenciosos enquanto fingia assistir TV. O que fazer com tanto dinheiro recolhido?
Um antigo relógio de parede anunciou 21 horas e ninguém percebeu. Foi quando surgiu um mau cheiro crescente no ar e Janete se levantou para conferir se o banheiro estava sujo. Não estava, mas o mau cheiro vinha dali.
- Estranho!... De onde vem esse mau cheiro! - pensou.
Tudo parecia normal no banheiro, a não ser pelos sacos de dinheiro ali empilhados... A dona de casa então abriu um dos sacos e quase caiu para trás. O dinheiro voltou a ser lixo! Apressou-se para conferir outro saco, e outro, e outro... Sua casa estava cheia de lixo e seus sonhos esvaziados! Gritou pelo marido. Ordenou que ele abrisse a porta, as janelas, o portão e pusesse o lixo para fora! Atirou-se no sofá, diante da TV, chorando mais que a mocinha da novela.
Na história da novela a mocinha sofria com a indiferença do marido que só pensava em trabalhar para ganhar mais e mais dinheiro. O homem não parava nem para almoçar e todo dia comia um sanduíche de queijo para enganar o estômago.
Amparada pelas crianças, Janete chorava de um lado e a mocinha da novela chorava de outro. Entre elas a tela plana da TV. Foi quando as ruas do Rio se encheram de sacos e mais sacos de lixo. Foi necessário mais uma noite para que o povo retirasse todo o lixo revertido de casa, devolvendo-os às calçadas e lixões.
* * * * *
Na quarta-feira os Supermercados, farmácias, shoppings e hospitais voltaram a abrir ou funcionar. Camelôs e guardas de trânsito dividiam espaço nas ruas com as pilhas de sacos de lixo, até que a COMLURB passasse. Mulheres, recém saídas do metrô, redobravam os cuidados para caminhar de salto sobre as pedras portuguesas, enquanto se desviavam de pedaços de isopor. Jorjão e os seguranças já haviam deixado a Rua 7 de Setembro. Eles já sabiam que também na favela o dinheiro voltou a ser lixo, retornando ao despejo. Sob o efeito de uma ressaca sem álcool, Jorjão atendeu ao celular. Era Ferreira - o dono do caminhão baú, que falou:
- Fala, Jorjão!... E aí?... Vi aqui que você ligou para mim, ontem... Tudo bem?
- Tudo, Ferreira. Mas não é nada não... Foi apenas um engano.
Jorjão estava cansado e sentia fome. Lembrou do sanduíche de queijo que a mulher embalou em papel alumínio e colocou na sua mochila, e que sequer foi tocado. Abriu o embrulho, cheirou o lanche e sem ter certeza se estava bom comeu, como quem diz: "Foda-se!"
Abraços!
Bira.
Carro forte da Comlurb - montagem com recortes de imagem da internet - Bira, 03/08/12. |
Sanduíche de Queijo
Amigos!Tudo começou por volta das 21 horas de segunda-feira, quando o Centro da Cidade já estava ficando deserto e a maioria dos trabalhadores já chegou em casa. Nas calçadas da Av. Rio Branco, sacos pretos de lixo formavam pilhas e eram assediados por catadores e moradores de rua. Eles tinham pouco tempo para isso, até a passagem dos caminhões de coleta da COMLURB. Ônibus passavam deslocando o ar e espalhando folhas de papel que um saco revirado libertou. Mulheres, recém saídas dos escritórios, redobravam os cuidados para caminhar de salto sobre as pedras portuguesas, enquanto se desviavam de pedaços de isopor. Elas queriam se enfiar no primeiro táxi ou mergulhar na primeira estação do metrô. Todas tinham pressa. Quanto mais demorassem ali, menos tempo teriam para concluir as tarefas de casa e, enfim, descansar. Por isso, ninguém percebeu quando um catador de lixo passou à margem da calçada, em disparada, carregando três sacos pretos, imensos e estufados. Seus olhos esbugalhados bebiam o suor que escorria da testa, mas ele nem piscava. Seguindo em direção à Cinelândia, teve seu vulto camuflado entre as sombras da noite. Só então foi possível ver que a passagem do homem deixara um surpreendente rastro de cédulas de R$ 50,00, imediatamente disputadas por quem passasse. E a confusão foi se formando à medida que mais pessoas se abaixavam para catar dinheiro espalhado no asfalto. Carros freavam ou buzinavam para desobstruir o caminho. Um motorista que abriu a janela de seu táxi para xingar os pedestres espalhados na pista, juntou-se a eles quando viu o dinheiro no chão. O trânsito parou de fluir com mais pessoas abandonando os carros para disputar as cédulas. Outros dois catadores de lixo também passaram correndo na calçada carregando sacos cheios de notas de R$50,00 e R$100,00 que escapavam entre os rasgos. O taxista, então, percebeu o que ocorria e desistiu de catar dinheiro no chão, se atirando no amontoado de sacos mais próximo. Arrastou dois sacos para dentro de seu táxi. Sem hesitação, recolheu mais dois, e mais dois, até estufar seu carro, quando só então gritou:
- Os sacos de lixo estão cheios de dinheiro!!!
O eco percorreu toda Av. Rio Branco e se embrenhou nas transversais. Passageiros e motoristas desceram dos ônibus, balconistas se evadiam do comércio, porteiros e ascensoristas, dos prédios. Camelôs abandonaram suas barracas, guardas de trânsito largaram o apito... Havia muito dinheiro disfarçado de lixo em todas as calçadas! O suficiente para todos! De repente, becos fétidos e escuros que acumulavam lixo se transformaram em tesouros. Seguranças particulares e armados não tardaram para fechar um trecho da Rua 7 de Setembro, aonde se apossaram de pilhas de sacos de dinheiro. Jorjão, que assumiu a liderança do grupo, tentava em vão comunicar-se pelo celular com seu vizinho Ferreira, que possuía um caminhão baú para recolher toda a grana. Ferreira não atendia e ele ligou para o celular de sua mulher:
- Mulher, é urgente: Encontra o Ferreira e manda ele vir aqui para a Cidade que eu tenho uma carga preciosa!... Eu liguei para o celular e para a casa dele, mas ninguém atendeu!... É urgente!
- Jorjão, eu também quero falar contigo urgente!... Aqui no morro está acontecendo uma coisa muito estranha e maravilhosa!... De repente, aquela montanha de lixo do despejo - ninguém sabe como - se transformou em dinheiro!... Vem pra cá, pelo amor de Deus!... Ta todo mundo pegando o dinheiro e levando pra casa! Sua mãe, nossos filhos e eu já pegamos muito dinheiro e precisamos de você aqui... Agora tenho de desligar, ainda tem muito dinheiro lá! Tem dinheiro para todo mundo! É um milagre!... - falou e desligou o aparelho.
- Mulher, mulher!... Droga, desligou!,,, Que história é essa de dinheiro lá também??
Jorjão não poderia imaginar que na pobre comunidade onde morava, havia surgido mais dinheiro que no Centro da Cidade. Quanto mais lixo, mais dinheiro. Não poderia imaginar que o caminhão do Ferreira já estava cheio de notas de cem que ele próprio recolheu. Finalmente a profecia que Ferreira ouvia repetidamente de sua saudosa mãe, quando era criança, se cumprira:
- Meu filho, quando tu crescer vai ter um caminhão de dinheiro!
Às dez da noite, todo o lixo do Rio já se transformara em dinheiro. Toda a população carioca se ocupava em recolher o seu quinhão. Carros, barracos, mansões viravam depósitos. A madrugada chegou e ninguém dormiu na corrida ao tesouro. Não sentiam sono, nem fome, nem sede, até que o dia nasceu. Foi quando o sol se elevou mostrando uma cidade tão limpa, como nunca se viu. Se lixo virou dinheiro, desapareceu das ruas. Em algumas encostas e lixões, no entanto, ainda havia gente catando grana. Mas a maioria já estava enclausurada, tomando conta de seu montante.
Antônio foi um daqueles que não parou de catar o dinheiro que ainda restava no antigo lixão. Mara, sua esposa foi chamá-lo:
- Vem pra casa Tonho! Já temos muito dinheiro lá! Você precisa descansar e comer alguma coisa!
- Ainda tem dinheiro aqui também! Vou pegar o máximo que puder antes que acabe.
- Então coma pelo menos este sanduíche de queijo que eu fiz.
E assim Antônio prosseguiu catando dinheiro com uma mão e comendo sanduíche de queijo com outra.
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Na terça-feira, ninguém foi trabalhar no Rio de Janeiro. Supermercados, farmácias, shoppings, hospitais... Estava tudo fechado ou abandonado. A população endinheirada não tinha banco para depositar sua fortuna, não tinha aonde gastar e, mesmo que tivesse, não arredaria o pé de casa onde estava seu tesouro.
* * * * *
A noite chegou na casa de Janete e, após o jantar, só restava assistir novela. Protegidos pelos muros altos, com janelas e portas trancadas, acomodaram-se pai, mãe e filhos nos sofás da sala. Enroscada no pescoço do marido, Janete traçava planos silenciosos enquanto fingia assistir TV. O que fazer com tanto dinheiro recolhido?
Um antigo relógio de parede anunciou 21 horas e ninguém percebeu. Foi quando surgiu um mau cheiro crescente no ar e Janete se levantou para conferir se o banheiro estava sujo. Não estava, mas o mau cheiro vinha dali.
- Estranho!... De onde vem esse mau cheiro! - pensou.
Tudo parecia normal no banheiro, a não ser pelos sacos de dinheiro ali empilhados... A dona de casa então abriu um dos sacos e quase caiu para trás. O dinheiro voltou a ser lixo! Apressou-se para conferir outro saco, e outro, e outro... Sua casa estava cheia de lixo e seus sonhos esvaziados! Gritou pelo marido. Ordenou que ele abrisse a porta, as janelas, o portão e pusesse o lixo para fora! Atirou-se no sofá, diante da TV, chorando mais que a mocinha da novela.
Na história da novela a mocinha sofria com a indiferença do marido que só pensava em trabalhar para ganhar mais e mais dinheiro. O homem não parava nem para almoçar e todo dia comia um sanduíche de queijo para enganar o estômago.
Amparada pelas crianças, Janete chorava de um lado e a mocinha da novela chorava de outro. Entre elas a tela plana da TV. Foi quando as ruas do Rio se encheram de sacos e mais sacos de lixo. Foi necessário mais uma noite para que o povo retirasse todo o lixo revertido de casa, devolvendo-os às calçadas e lixões.
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Na quarta-feira os Supermercados, farmácias, shoppings e hospitais voltaram a abrir ou funcionar. Camelôs e guardas de trânsito dividiam espaço nas ruas com as pilhas de sacos de lixo, até que a COMLURB passasse. Mulheres, recém saídas do metrô, redobravam os cuidados para caminhar de salto sobre as pedras portuguesas, enquanto se desviavam de pedaços de isopor. Jorjão e os seguranças já haviam deixado a Rua 7 de Setembro. Eles já sabiam que também na favela o dinheiro voltou a ser lixo, retornando ao despejo. Sob o efeito de uma ressaca sem álcool, Jorjão atendeu ao celular. Era Ferreira - o dono do caminhão baú, que falou:
- Fala, Jorjão!... E aí?... Vi aqui que você ligou para mim, ontem... Tudo bem?
- Tudo, Ferreira. Mas não é nada não... Foi apenas um engano.
Jorjão estava cansado e sentia fome. Lembrou do sanduíche de queijo que a mulher embalou em papel alumínio e colocou na sua mochila, e que sequer foi tocado. Abriu o embrulho, cheirou o lanche e sem ter certeza se estava bom comeu, como quem diz: "Foda-se!"
Abraços!
Bira.