De Volta ao Cristo Apagado
Montagem com foto da época, comparada com foto atual do alto relevo de Cristo. |
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INTRODUÇÃO:
Dias desses eu fui pegar metrô na estação de Irajá e percebi fiéis subindo um pequeno morro, ao lado, para orar. Tal fato virou rotina e eu decidi fazer uma postagem sobre aquilo, com o título: O Novo Monte dos Milagres..., ago/12. Ao escrevê-la, lembrei do surgimento da imagem de Cristo (1971) em uma pedreira, a quatro km dali. Lembrei da imprensa noticiando o fato que atraiu milhares de pessoas ao local. Imaginei que algo semelhante pudesse ocorrer no denominado "Monte" atual, mas os tempos são outros... Esta semana voltei a pensar na velha pedreira do Cristo. Afinal, o que foi feito dela?... Fui lá para conferir. Tirei fotos, colhi depoimentos e pesquisei os acervos de jornais na Biblioteca Nacional (BN) e internet... Resultado: quarenta e um anos depois o Cristo da Pedreira está de volta!...
I - De Volta ao Cristo Apagado
Amigos!Depois de 41 anos, eu já nem lembrava direito em que local surgiu o Cristo. Desci do ônibus, em Vista Alegre e na calçada, tratei de procurar um suposto morador com pelo menos uns cinquenta anos para pedir informação. Acertei na primeira tentativa, quando um passante me respondeu:
- É logo ali, sobe a Rua Estremadura e você verá uma praça à esquerda.
Subi, para descobrir que a praça era o antigo acesso à velha pedreira, agora parcialmente escondida atrás das árvores de uma vila. Avistei três pessoas na praça e me aproximei de um homem solitário:
- Boa tarde, amigo!... Você sabe me dizer onde foi que surgiu a imagem de Cristo na pedreira?
- Foi logo ali, atrás daquelas casas - e o homem apontou para um lugar aparentemente inacessível.
- E a imagem ainda está lá? - perguntei - Gostaria de tirar umas fotos, mas to vendo que não dá...
- Dá sim. Vem comigo que eu te levo!
Enquanto entrávamos na vila, lembrei que aquele local foi um campo de futebol de terra batida, margeado por mato e a parede de pedra; invadido pela multidão. Gente curiosa ou sedenta por milagres já não pisava mais ali. Um cachorro preguiçoso bocejava e alguns familiares comiam frango assado, com batata frita e cerveja, à sombra de uma amendoeira. A vila terminava na parede de granito que continha o Cristo.
- Mas onde está o Cristo? - perguntei apertando os olhos.
Demorou um pouco para localizá-lo. A imagem já não é tão nítida, quatro décadas depois. "Era como se o Cristo revelado estivesse voltando para dentro da pedreira" - delirei. Tive que subir na laje de uma casa para fotografá-lo com o tablet, concluindo assim, a primeira parte desta história.
Atencioso, Aécio me aponta o local do Cristo: "Eu era criança, colhia água em vidrinhos para vender aos fiéis..." |
II - As Versões de Hoje
Meu recente e prestativo amigo (foto) revelou seu nome e idade:- Eu me chamo Aécio, tenho 49 anos e já estou aposentado. Não me lembro muito daquela época, pois tinha apenas oito anos. Mas lembro que eu enchia vidrinhos de água que escorria da rocha e vendia aos visitantes. Enchia as mãos de moedas! - complementou sorrindo.
Foi o próprio Aécio que se propôs a me levar ao conjunto que fica acima da pedreira para entrevistar sua tia. No caminho contou que pelo menos três pessoas já despencaram da pedreira, mas que ali ninguém morria. Sua tia, de idade avançada, estava dormindo e nada pode somar.
Voltando à vila, entre os familiares que faziam refeição, falei com a advogada Sandra, 55, na época com 14 anos. Sandra relata que a imagem surgiu no local onde um raio caiu e uma lasca de pedra se desprendeu.
- Como eu fui criada em família evangélica, observei de longe os fatos. Mas não tinha como ignorar as romarias. Pessoas obtinham graças e pagavam promessas levando réplicas de órgãos humanos moldados em cera. Isso durou cinco anos ou mais. Abaixo da imagem foi fincada uma cruz. Quando as visitas cessaram, uma família retirou a cruz para construir uma bela casa. Não durou muito para uma enorme pedra se desprender do rochedo e destruir totalmente a casa, justamente na hora que mãe e filha estavam saindo ao portão. Ninguém se feriu, mas não sobrou nada!
III - As Versões dos Jornais da Época
Muito além de uma cobertura, o jornal O Dia fez um autêntico sensacionalismo sobre ocorrido na noite de sábado, 16 de outubro de 1971. Se naquela época essas matérias arregimentassem grande público ao local, seus textos, quando lidos hoje nos arquivos da BN, causam risos:
ROSTO DO CRISTO NA PEDREIRA OPERA MILAGRES, 19/10/71;
"Figura surgiu com grande nitidez precedida de estrondo, foco luminoso e sons melódicos suaves, parecendo cânticos sacros - Duas crianças caíram de grande altura e foram salvas - Romaria de fiéis á Estrada da Água Grande... Mais de 10 mil pessoas precedentes de Caxias, Nova Iguaçu, Petrópolis e outras cidades... Cerca de 12 mil pessoas residentes no conjunto assistiram á milagrosa aparição e ainda permanecem deslumbradas com o fenômeno... A romaria é impressionante. Pessoas enfermas em busca de cura, em dificuldades financeiras, jovens mal sucedidos no amor. Os moradores recordam com grande emoção e respeito, vários casos ali sucedidos... Teresa Mirtes Caldas, 17 anos, atribuiu ser um verdadeiro milagre, ter passado nos exames vestibulares para medicina e foi rezar ao pé da rocha... Romarias, pétalas e peças de cera de várias cidades do Interior Fluminense... Vigário declara: não vem acrescentar nada à Revelação de Deus... Apesar do calor ontem, cresceu o número de fiéis... Água da pedreira é usada para aliviar doenças... Carrocinhas de doces e refrescos apreendidas... Milhares de pessoas recolhem água da fonte... Padre da Igreja Ortodoxa celebra missa... Fincada cruz de dois metros no alto da pedreira... Pároco de Vista Alegre compareceu ao local para observar." (trechos extraídos de matérias entre 19 e 28/10/71)
"Tudo começou quando um funcionário da Light que vigiava os transformadores ouviu um estrondo causado pela paralisação das máquinas da fábrica de Cimento Irajá. Assustado, ele iluminou a pedreira com sua lanterna, pensando que o ruído partira de lá. Estava sozinho no terreno baldio onde os transformadores ocupam uma pequena área... Descobriu a cavidade na pedra e passou a falar em milagres. Depois desapareceu, mas o boato já tinha se espalhado. Vieram os primeiros romeiros e acharam os restos de cabrito sob a pedra. Para a maioria dos que começaram a visitar o terreno não havia mais dúvidas: O local era sem dúvida sagrado..."
Foto com linha do tempo das manchetes pesquisadas em arquivos da Biblioteca Nacional - Bira. |
ROCHA É NOVA EXPLORAÇÃO DE CRENDICE,
"Apesar da visita diária atingir a uma média de 5 mil pessoas, nem todos acreditam nos "milagres"... A crença dos moradores levou à descoberta, no último fim de semana, de novas "imagens" ao lado do "Cristo da pedra dos milagres"... Em 14/11/71 relatou: Apareceu um autor para o Cristo que, segundo os fiés teria sido esculpido por meios sobrenaturais. O contador Sidelio Pires afirma que esculpiu a imagem em 1948, quando morava nas proximidades... Sou um artista amador... conta que há 23 anos decidiu competir com mais amigos quem era o melhor escultor... esculpiram vária imagens além do Cristo...
A Revista Veja dedicou apenas alguns centímetros de parte de um editorial, em 27/10/71: "Nenhum milagre foi documentado no local, mas a afluência de muitos crentes fez nascer um rendoso comércio de pedras (...)".
O extinto Correio da Manhã, publicou foto (acima) na capa e uma pequena matéria:
MULTIDÃO ESPERA MILAGRE, em 30/10/71.
A notícia andou rápido. Em torno da pedreira dezenas de pessoas com martelo, talhadeira e marreta tentavam extrair pequenas pedras da rocha.
IV - Concluindo
De 71 para cá, muito tempo passou e milhares de velas acesas na pedreira se apagaram. Partes dos fotogramas do jornal O Dia, na Biblioteca Nacional, também se apagou. O Cristo talhado também está se apagando, assim como as pessoas que nem são de granito. Coisas mudam com o tempo. Se Vista Alegre virou bairro e se separou de Irajá, a Guanabara foi absorvida pelo Rio de Janeiro. A ditadura acabou e a imprensa não precisa potencializar fatos para vender jornal.Os milagres realmente de existiram! Se não foi no Cristo de ontem ou no Monte de hoje, foi no conjunto de tempo, pessoas e fatos que talharam essa história.#
Imagens do post:
1- foto atual do local em comparação com imagem da época.
2- de uma escadaria, Aécio aponta para o local de aparição.
3- montagem feita com paint.
4- recorte do jornal Correio da Manhã.
Abraços!
Bira.