Quando o Treino Supera a Corrida

(...) Vestidos com roupas coloridas já que seguiriam, perigosamente, o mesmo fluxo do trânsito, os corredores alternaram entre o acostamento e o gramado da rodovia Presidente Dutra (...)

Montagem sobre foto de Fábio Namiuti do Treinão de Aparecida: Corredores às margens da Dutra.

Quando o Treino Supera a Corrida

Amigos!

A primeira coisa que um corredor faz ao chegar numa nova praia é olhar para os dois lados e projetar uma corrida. Foi isso que fiz quando cheguei na de Pitinga, em Porto Seguro. Margeada por falésias, coqueiros e restinga, a praia é quase deserta nos trechos onde não há quiosques. É encantadora nos locais onde riachos desembocam. É uma sereia sedutora e irresistível que se oferece à exploração. Enquanto outros turistas estendiam seus corpos nas espreguiçadeiras, eu decidi encarar uns 12 km de areia, correndo e fotografando. Quando passei pelos trechos desérticos, minha alma se multiplicou e eu descobri que não há solidão no paraíso. Fiz o mesmo em Trancoso, no dia seguinte. Portando um iphone, filmava as belas paisagens até que, de repente, ouvi uma música que se misturava ao barulho das ondas. Achei que o som estava vindo de um hotel ou pousada escondida atrás do verde. Alguns passos, e descobri surpreso que foi o meu iphone que começou a cantar. Aparentemente eu não havia disparado o player de música, então pensei: "Neste lugar, até o celular canta de felicidade!"

Era mais do que evidente que aquele treino valia mais do que uma corrida!... E foi assim que pensei em escrever esta postagem.

De volta ao Rio, enviei mensagens a outros corredores para que relatassem o seu treino que vale mais que uma corrida. As contribuições vieram de São José dos Campos e Maceió com histórias de companheirismo e emoção. Confira!

Quando o Treino Supera a Corrida

Treino de Taubaté à Aparecida

Excelentes treinos não são feitos apenas em meio às paisagens deslumbrantes. Paulista de São José dos Campos, Fábio Namiuti (41), por exemplo, idealizou um treino de 37 km, de Taubaté a Aparecida e convidou os amigos. Vestidos com roupas coloridas já que seguiriam, perigosamente, o mesmo fluxo do trânsito, os corredores alternaram entre o acostamento e o gramado da rodovia Presidente Dutra. O treino contou com carros de apoio, água, frutas e isotônico, mas nem por isso deixou de ser duro. Um calor crescente cozinhou a manhã de sábado, no dia 7 maio de 2011, e fez os atletas perderem ritmo sem perceber. Nos quilômetros finais, Namiuti encarou dores além de bolhas no pé. Quando chegou à Basílica de Aparecida, despencou de joelhos como quem paga uma promessa. Emocionado abraçou seus companheiros - cerca de 20 participantes.

Autor do livro "Melhor que o caminho é o Caminhar", onde relata como deixou de ser obeso e fumante para se tornar corredor, o paulista procura reunir amigos de corrida para treinos diferenciados em sua região e explica:

- Com o preço crescente das corridas, cada vez mais tenho procurado me divertir, junto aos companheiros de esporte, com treinos especiais, diferentes e inusitados. Além do Taubaté - Aparecida, fazemos outros que estão virando tradição. Há a subida (10,5 km) do Pico do Itapeva em Campos do Jordão; a Volta ao Banhado, que contorna um dos cartões postais de minha cidade e o "Correndo na Madrugada", 15 km com largada à meia-noite e a cidade à nossa disposição (...) O importante é estarmos juntos. Não precisamos de medalhas, camisetas tecnológicas, troféus, kits-lanche e nem de outros mimos. Apenas de correr.

Maceió - São Miguel; a Caminhada da Cura

Saindo do Interior Paulista para Maceió, falei o ultramaratonista Maivan Fernandez (38). Mesmo estando atribulado entre seu trabalho e a organização de uma prova, Maivan enumerou algumas vantagens de um longão:

- Desfrutar de um bom bate-papo, dar maravilhosas gargalhadas e ao mesmo tempo usufruir de paisagens naturais... Além disso, treinos longos possibilitam incluir familiares e amigos, que não correm, nas equipes de apoio.

Trecho de praia na 1ª Caminhada da Vitória, ago/2010 - colagem sobre foto de Walter Viana.

Dos quatro álbuns de fotos que Fernandez me enviou, a Caminhada da Vitória chamou mais atenção, pelo percurso: 64 km de litoral alagoano. Mas quem contou como a caminhada surgiu foi seu idealizador, o corredor de aventura Walter Viana:

- Quando eu descobri que estava muito doente, em 2008, meu amigo Paulo César começou a me evitar estranhamente. Ele tinha medo que eu morresse. Certo dia, encontrei com ele e prometi que ficaria curado e, assim que isso ocorresse, iríamos fazer uma caminhada Maceió - São Miguel. Nessa hora Débora - uma amiga corredora - passou e firmou promessa: "Eu vou nessa também!" Uma outra corredora - Dani - surgiu e disse: "To nessa!" Olha que eu ainda ia me tratar, mas as meninas disseram: "É melhor a gente abrir para toda a galera!"

Um ano depois, Walter estava curado do câncer e no boca-a-boca foram reunidas 26 pessoas para a caminhada. Saíram de Maceió às 6h de 10 de agosto de 2010. Como havia muitos "marinheiros de primeira viagem" foi combinada uma parada em Paripueira, onde dormiriam para continuar na manhã seguinte.

- Na manhã seguinte alguns desistiram, por cansaço ou por trabalho, mas a metade completou. - contou Walter e concluiu emocionado - Fui recebido com fogos de artifícios e foi só o "berreiro abrindo"!.. Teve seresta e gente que eu nem conhecia me aplaudindo. Nem quis voltar de imediato, fiquei por lá para aproveitar e agradecer a Deus!

Este ano a terceira Caminhada da Vitória foi feita à noite quando 20 de 26 pessoas concluíram. Cada um carregando sua água e alimento em mochilas, pois não há carro de apoio. Foi a terceira edição mas se depender dos participantes o treino se perpetuará:

- Se você morrer nós vamos fazer a caminhada assim mesmo! - já avisaram as corredoras para o Walter, que conta sorrindo, mais vivo do que nunca!

 

Na chegada de Walter a São Miguel do Milagres a emoção no abraço dos filhos João e Lara.

Que bom que os treinos são melhores que as Corridas pois podemos treinar qualquer dia. Pois podemos presenciar emoção de Walter e o companheirismo de Namiuti e Maivan. O primeiro celebrando a vida, os demais organizando treinos para congraçar amigos - Longões ao longo da vida!

Abraços!
Bira.