sexta-feira, 22 de março de 2013

A Fuga

(...) O barulho acordou a criança que lançou seu choro do outro quarto. A porta da sala bateu forte abafando o desespero de Marta dentro do recinto (...)

Colagem com recortes de imagens da internet. Bira, 22-03-13.

A Fuga

Amigos!

Duas cachaças deram a Jorge coragem suficiente. Abriu a porta com violência, e como se fosse um policial em vistoria, foi revirando gaveta por gaveta e atirando roupas no chão. Sem dizer nada, socou calças e camisas na mala com movimentos rápidos e desconexos. Respirava forte e tinha o olhar transfigurado. Foi jogando as meias, o aparelho de barbear, a colônia For Men e tudo que fosse só seu. Por pouco o zíper não fechou na mala abarrotada. Nada mais olhou. Ergueu a bagagem com a mão direita e partiria tão bruscamente quanto chegou, se a mulher atordoada não se atirasse à sua frente. Até então, ela manteve-se estática no canto do quarto. Observava atônita o marido que parecia estar louco. Quis lhe perguntar: “O que é isso? O que está havendo?” Mas o fermento da surpresa transformou suas frases num bolo de ar que os lábios espremidos não deixavam sair, nem a garganta cerrada engolia. A mulher não entendia nada e observava com olhos do medo que fazia seu corpo suar e ao mesmo tempo gelar. Por isso se atirou: se o súbito lhe bloqueava as palavras, não poderia bloquear seus gestos. Tentou agarrar-se ao marido. Paralisá-lo como uma camisa-de-força, anestesiá-lo com o olhar. Mas não conseguiu. Faltou-lhe poder nos braços e nos olhos, suficientes para conter a fúria de Jorge. Com um empurrão foi atirada na cama que afundou na queda. O barulho acordou a criança que lançou seu choro do outro quarto. A porta da sala bateu forte abafando o desespero de Marta dentro do recinto. O homem partiu.

Depois de muito pensar, a vizinha resolveu verificar o ocorrido no apartamento ao lado: aquela barulheira, a porta batendo e o choro que não parava. Abaixou o volume da televisão e encostou o ouvido na parede. “O que está acontecendo?” – murmurou, e foi à campainha desobedecendo ao conselho do marido:

– Deixa pra lá mulher. Isso é briga entre os dois, não se mete!
– Ouvi passos descendo a escada, Marta deve está só, precisando de ajuda. Não ouve o choro?

Logo a porta abriu, revelando um rosto encharcado e corado pelo pranto da mulher.
– Que foi minha filha? Perguntou a vizinha amparando-a nos braços.

Agora eram os soluços que não queriam lhe deixar de falar. Solavancos no peito interrompiam cada palavra.
– Calma filhinha, não diz nada, tá?... Olha o Marcinho chorando, tadinho!... Vou preparar um copo de água com açúcar pra vocês.

Alguns minutos tranquilizaram Marta que, enxugando a face, descreveu a cena repentina.
– Mas por quê, mulher, assim tão de repente? - Questionou a vizinha.
– Não sei Dona Célia. Será que meu marido enlouqueceu?... Meu Deus! - E voltou a chorar, recuperando os soluços.
– Calma filhinha, calma...
– Vou à casa de meus sogros! Decidiu Marta.
– É melhor você não ir hoje, já são quase dez horas... Liga pra lá...
– Eu tenho que ir, eles devem saber de alguma coisa. Não posso ficar aqui chorando com meu filho! Toma conta dele pra mim dona Célia, por favor!

E saiu atrás de notícias sobre o paradeiro marido.

*           *           *

Quando o pé direito de Jorge esmagou o acelerador contra o piso do carro, o motor do veículo urrou de dor. Em cada curva da estrada as rodas velozes gritavam de medo. O vento frio da noite se atirou sobre o automóvel, invadiu as janelas abertas e entupiu os ouvidos de Jorge. Mas ele nada sentia além da urgência de encontrar Margarida. A jovem com nome e encanto de flor - primeiramente um capricho de um quarentão orgulhoso diante de amigos nos papos de bar, depois, uma paixão obsessiva que atormentava sua alma. Sem que ele próprio percebesse, foi deixando de se gabar por ter a amante nas mãos. No decorrer de oito meses, o orgulho deu vez ao medo de perdê-la e virou pânico, quando Margarida pronunciou a frase:

– Desse jeito não dá mais, já estou cansada de ser a outra!

Foi quando Jorge se viu perdido. No dia seguinte não foi trabalhar, apenas pedir demissão. Já havia decidido. Partiria com a jovem para São Paulo. Tinha dinheiro no banco e capacidade para arrumar novo emprego. Mulher, filho e o resto da família não importavam. Margarida era mais que isso. Com o tempo, ficaria tudo bem. Pagaria uma pensão à esposa e ao filho. Começaria de novo. Passou a noite solitária num hotel e no dia seguinte foi buscar a amante.

A manhã trouxe um sol de verão que deu brilho aos cabelos e à pele de Margarida. As malas foram postas no carro que se misturou ao trânsito da avenida, rota de fuga para uma nova vida...

*           *          *

Onze e meia da noite anterior. Marta bateu à porta dos sogros:
– É você Marta? Perguntou a sogra assustada, mesmo vendo diante de si a nora – Você está chorando?... O que está havendo, meu Deus?
– Jorge partiu! Respondeu jogando-se em seus braços.

*           *           *

Quando o céu clareou finalmente, mãe e avó foram buscar a criança deixada com a vizinha. Logo saíram em busca de Jorge.
Na empresa souberam do pedido demissão e de lá partiram sem saber aonde ir, nem que direção tomar pela calçada da avenida.

*           *           *

Impaciente, na ânsia da fuga, Jorge driblava os carros no trânsito da cidade. Descontente, parou no sinal que tinha a cor da ponta de seu cigarro. Fumava com gestos intranquilos, mas quando olhou para Margarida e teve o ímpeto de beijá-la. Uma voz infantil, no entanto, vinda da calçada, interrompeu seu movimento. Virou-se e viu seu filho Marcinho puxando a mãe com uma das mãos e sacudindo a avó com a outra. Com os olhos arregalados o menino gritou:

– Olha o papai! Olha ele lá. Mãe!... Paiê, a gente tá procurando o senhor!!!

O sinal abriu e os carros detrás buzinaram. Jorge vendo que interrompia o trânsito acelerou o automóvel (“Peraí, pai!”) e se perdeu no trânsito. Sobre a calçada, aquelas três criaturas olhavam impotentes e estarrecidas, o veículo sumir na próxima esquina. ###

Abraços!
Bira.                                                                            



2 comentários:

  1. Fantástico!
    Texto com ritmo eletrizante, estimulando o leitor a querer saber sempre: o que irá acontecer depois?
    Abraços!
    Nilo

    ResponderExcluir

  2. Muito bom.Ansiosa para o que vai acontecer.
    Bjs

    ResponderExcluir