Crianças goiabalenses lançam olhares de desejo sobre os troféus da corrida... Que impacto pode ter esse dia em seus futuros? |
Foram três horas de ônibus no trajeto de Belo Horizonte a São José do Goiabal. O barulho abafado do motor e da fricção dos pneus no asfalto, era canção de ninar. Dormi, enquanto era fim de tarde e o sol se recolhia, acordei à noite e deparei com a escuridão da mata. Liguei a luzinha de leitura, do teto do ônibus e peguei papel e caneta para descrever a cena:
"O céu da noite mineira era um papel de parede onde as nuvens pareciam ser milhares de ovelhas. Em meio a este rebanho, uma metade de lua procurava brechas para aspergir seu brilho. Mas a fraca luz do pedaço de lua não conseguiu revelar toda a brancura das nuvens-ovelhas. Seu brilho humilde projetava nelas uma tonalidade opaca, cor-de-fantasma-flutuante...
"Enquanto as nuvens-ovelhas-fantasma dormiam, o pedaço de lua se exibia para os olhos de Minas Gerais.
"O céu da noite mineira era um papel de parede onde as nuvens pareciam ser milhares de ovelhas. Em meio a este rebanho, uma metade de lua procurava brechas para aspergir seu brilho. Mas a fraca luz do pedaço de lua não conseguiu revelar toda a brancura das nuvens-ovelhas. Seu brilho humilde projetava nelas uma tonalidade opaca, cor-de-fantasma-flutuante...
"Enquanto as nuvens-ovelhas-fantasma dormiam, o pedaço de lua se exibia para os olhos de Minas Gerais.
"Na janela do ônibus que risca uma estrada de subidas e
curvas, o olhar humano se adapta, enxergando no quase escuro. Uma casinha
distante parece perdida na mata escura, onde alguns pontos de luz são
semelhantes às poucas estrelas visíveis no céu..."
Mas foram as fortes luzes do ônibus se acederam pondo fim ao meu devaneio poético... Às oito e meia da noite, eu chegava na pequena Goiabal, onde Antônio Carlos, seus familiares e o italiano Giuseppe Giampaoli me esperavam. Apesar da corrida programada para o dia seguinte, conversamos até meia-noite na praça principal.
Gostaria de ter os olhos e mentes daquelas crianças para falar da grandeza oculta na pequena Corrida de Goiabal. Queria saber que impacto o evento exerce sobre elas, já que não tenho o talento de um semeador como Antônio Carlos de Carvalho. Este sim, parecia entender o que aquilo representava de fato. Capitaneou os 40 menores em uma volta de 100 metros no quarteirão. Alguns correram descalços, provavelmente não tinham tênis de marca, apenas marcas nos pés. Enfiei-me no meio, tentando captar os movimentos e a emoção da criançada, mas foi tudo muito rápido - o que é bom dura pouco. No final, vi Giuseppe emocionado conversando com as crianças e filmei a cena.
A seguir, foi feita a largada dos adultos. Acompanhei a prova sobre a carroceria de uma camionete que partiu na frente, feito batedores. Havia poucos corredores vindos de João Molenvade e nenhum atleta adulto de Goiabal - o que me fez perceber o tamanho do desafio de Antônio em implantar o esporte na cidade. O grupo de corredores despertava atenção pelas ruas e ladeiras da pacata cidade. Por duas vezes, a caminhonete ficou ligeiramente emperrada, devido a um carro mal estacionado ou uma carroça que cruzava, atrapalhando os corredores da frente. "Se é no Rio, o pessoal iria espinafrar a organização..." - pensei comigo. Mas ali, ninguém era tão exigente, queriam apenas correr ou competir sem stress. A corrida terminou e eu não anotei o nome dos vencedores porque todos venceram: Antônio, Giuseppe, seus amigos da ACORP-Molenvade, as crianças de Goiabal e toda cidade que ainda ignora o evento. O prêmio não tinha apenas formato de medalha ou troféu, mas a arquitetura da Casa de Miguel Sanches* - sede da ACORP-Goiabal, em construção, onde os corredores fizeram um lanche e receberam seus prêmios.
Mas o tempo também é corredor e quando olhei para o relógio já passava de meio-dia. Só dava tempo de tomar um banho e almoçar, antes do retorno ao Rio. Só então lembrei que lá na minha cidade, 20 mil corredores teriam acabado de participar da Meia Maratona Internacional, mas não sentia nenhum remorso por ter dispensado o mega evento para prestigiar Antônio e a Corrida de São José do Goiabal.#
*nota: Miguel Sanchez foi um maratonista argentino, vítima da ditadura, homenageado por Antônio, veja o vídeo:
- Link para conferir as três postagens desta série Antônio, Boca e Coração!:
http://www.birananet.com/search/label/Antonio%20-%20Boca%20e%20Cora%C3%A7%C3%A3o
Abraços!
Bira.
Mas foram as fortes luzes do ônibus se acederam pondo fim ao meu devaneio poético... Às oito e meia da noite, eu chegava na pequena Goiabal, onde Antônio Carlos, seus familiares e o italiano Giuseppe Giampaoli me esperavam. Apesar da corrida programada para o dia seguinte, conversamos até meia-noite na praça principal.
A Corrida
Antônio ordena a largada na corrida das crianças de São José do Goiabal |
Gostaria de ter os olhos e mentes daquelas crianças para falar da grandeza oculta na pequena Corrida de Goiabal. Queria saber que impacto o evento exerce sobre elas, já que não tenho o talento de um semeador como Antônio Carlos de Carvalho. Este sim, parecia entender o que aquilo representava de fato. Capitaneou os 40 menores em uma volta de 100 metros no quarteirão. Alguns correram descalços, provavelmente não tinham tênis de marca, apenas marcas nos pés. Enfiei-me no meio, tentando captar os movimentos e a emoção da criançada, mas foi tudo muito rápido - o que é bom dura pouco. No final, vi Giuseppe emocionado conversando com as crianças e filmei a cena.
A seguir, foi feita a largada dos adultos. Acompanhei a prova sobre a carroceria de uma camionete que partiu na frente, feito batedores. Havia poucos corredores vindos de João Molenvade e nenhum atleta adulto de Goiabal - o que me fez perceber o tamanho do desafio de Antônio em implantar o esporte na cidade. O grupo de corredores despertava atenção pelas ruas e ladeiras da pacata cidade. Por duas vezes, a caminhonete ficou ligeiramente emperrada, devido a um carro mal estacionado ou uma carroça que cruzava, atrapalhando os corredores da frente. "Se é no Rio, o pessoal iria espinafrar a organização..." - pensei comigo. Mas ali, ninguém era tão exigente, queriam apenas correr ou competir sem stress. A corrida terminou e eu não anotei o nome dos vencedores porque todos venceram: Antônio, Giuseppe, seus amigos da ACORP-Molenvade, as crianças de Goiabal e toda cidade que ainda ignora o evento. O prêmio não tinha apenas formato de medalha ou troféu, mas a arquitetura da Casa de Miguel Sanches* - sede da ACORP-Goiabal, em construção, onde os corredores fizeram um lanche e receberam seus prêmios.
A Corrida dos adultos seguiu seu trajeto pelas ruas da pequena Goiabal e depois avançou sobre trechos de terra batida... |
Mas o tempo também é corredor e quando olhei para o relógio já passava de meio-dia. Só dava tempo de tomar um banho e almoçar, antes do retorno ao Rio. Só então lembrei que lá na minha cidade, 20 mil corredores teriam acabado de participar da Meia Maratona Internacional, mas não sentia nenhum remorso por ter dispensado o mega evento para prestigiar Antônio e a Corrida de São José do Goiabal.#
*nota: Miguel Sanchez foi um maratonista argentino, vítima da ditadura, homenageado por Antônio, veja o vídeo:
- Link para conferir as três postagens desta série Antônio, Boca e Coração!:
http://www.birananet.com/search/label/Antonio%20-%20Boca%20e%20Cora%C3%A7%C3%A3o
Abraços!
Bira.
Parabéns Bira!
ResponderExcluirSuas crônicas estão a cada dia melhores, e está consegue transmitir com toda a fidelidade o espírito desbravador e solidário que acompanhou Antônio na sua trajetória heroica e vitoriosa!
Sua empolgação contagia e até me incentiva a querer ajustar as passadas pra me aventurar nas corridas novamente...
Quem sabe um dia talvez isso venha a ser inspiração para uma de suas crônicas... risos...
Um grande abraço!
José Folly