segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Ninguém Tira O Que É Seu!

(...) Sei que correr é muito mais do que seguir um trajeto. Correr é dar saltos quânticos que lhe transportam, no mesmo instante, para os lugares mais belos das dimensões ignoradas pelo homem manifesto (...)

Somos feitos de elétrons, surgimos e ressurgimos ao mesmo tempo em diferentes lugares... Ilustração: Bira.

Ninguém Tira O Que É Seu!

Amigos!

Dias desses, eu compartilhava as postagens deste blog no Facebook quando alguém teclou para mim:

-- Bira, admiro muito essa sua garra e me envergonho de não conseguir (correr)...

-- Não se envergonhe - respondi -- eu fiquei sem correr dos 27 aos 48 anos...

O papo não foi adiante, mas eu fui: levantei-me da cadeira para treinar mais uma vez. Enquanto corria, no entanto, a breve conversa povoou meus pensamentos. Lembrei-me dos 21 longos anos que não corri. Pensei nos motivos que tive e em tudo que fiz...

*          *           *

Era década de 80, tempo de Guerra Fria no mundo e fim da ditadura no Brasil. Foi na "década perdida da Economia" que surgiu o Rock in Rio e ressurgiu Leonel Brizola. Foi quando os peitos da Fafá de Belém preenchiam todos os pixels das telas da TV, ou das páginas masculinas da Revista Status. O Jornal do Brasil ainda sobrevivia à morte de sua diretora e presidente, a condessa Pereira Carneiro. Eu também sobrevivia, atrás de um balcão de uma loja de ferragens ou pintando letreiros nas fachadas de lojas. Eu não tinha dinheiro, mas mesmo assim me casei, melhor dizendo: mesmo assim consegui alguém para casar comigo. Eu não tinha instrução, mas mesmo assim lia o Jornal do Brasil, melhor dizendo: mesmo assim conseguia separar uns trocados para comprar aquele "jornal de rico". No subúrbio, onde eu ainda transito, só se consumiam jornais baratos e sangrentos. Para cada 100 exemplares de O DIA, vendia-se um do Jornal do Brasil.

Eu me julgava politizado, era brizolista. Desenhava, e escrevia coisas que ninguém lia - a não ser meu amigo Aribelto, o Beto. Trabalhávamos juntos em Duque de Caxias, e ele - meu chefe - começou a me encomendar poemas que recitava para as suas namoradas no carro. Colocava como fundo uma música romântica e as moças até choravam. No dia seguinte, Beto me contava, entusiasmado, tudo aquilo que rolou, e pedia:

-- Bira, faz um outro poema que eu vou tentar musicar e coisa e tal....

Eu ficava um pouco incomodado com a situação, mas o cara era meu amigo e eu cedia. Eram poemas melosos e ridículos, que faziam de mim um Cyrano de Berjerac de Duque de Caxias - onde Beto "atuava".

Foi nessa época que eu corri minha primeira maratona (1985) e continuei treinando corrida por mais dois anos. Não sei se estes cálculos estão certos... Certo mesmo, eram os cálculos dos meus rins: Várias vezes eu rolava no chão de dor e comecei a urinar sangue toda vez que corria. Tentei resistir, mas não deu e triste parei de correr.

Ressurgi feito elétron em pleno salto quântico duas décadas depois. Apaguei de mim todo o tempo que fiquei afastado da corrida, como quem recomeça a viver com a mulher que esteve afastado. Consegui!

Agora corro em percursos suburbanos escuros ou solitários com a mesma alegria de quem corre nos lugares mais lindos da cidade. Tenho paisagem própria para percorrer, não dependo da visão externa. Não me nego a correr com os amigos, não me nego a disputar as provas, não me nego a correr em qualquer condição. Sei que correr é muito mais do que mexer as pernas. Sei que correr é muito mais do que seguir um trajeto. Correr é dar saltos quânticos que lhe transportam, no mesmo instante, para os lugares mais belos das dimensões ignoradas pelo homem manifesto.

Já teve momentos em que correndo eu pensei comigo mesmo:

-- Caramba, Bira, já imaginou o tempo que você perdeu e tudo aquilo que teria feito se não tivesse se  afastastado da corrida?

Percebi, no entanto, que esse tipo de pensamento me trazia tristeza e sensação de perda. Então mudei a forma de pensar, e me respondi:

-- O que ocorreu comigo foi um salto quântico: no mesmo momento que eu estava em 1987, ressurgi em 2008, mas nunca deixei de ser corredor!

*           *            *

Gostaria de ter dito à minha amiga que ela também é feita de elétron, então que assuma essa condição. Absorva energia e mude de órbita. Não se prenda às limitações do passado. Se for necessário, apague o passado e salte! Se você quer, você consegue!... Ninguém tira o que é seu!

Abraços!
Bira.





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