sexta-feira, 30 de outubro de 2015

Memórias Póstumas de Um Corredor - Parte I

(...) É necessário estar morto para as memórias saírem do túmulo e despertarem alguma atenção. Eis o lado bom de ser defunto!... Adquire-se respeito - talvez porque as pessoas tenham medo que a alma penada lhes puxe o pé, no meio da noite (...)

Imagem composta por recortes de fotos da internet, utilizando os apps Gimp e Paint - Bira, 29/10/15.

Amigos!

Memórias Póstumas de Um Corredor - Parte I

Introdução (da parte I)

Morto. É assim que me sinto ao escrever esta postagem. Vai fazer um ano que não corro e nem melhoro da "minha" lesão. Coloco a palavra "minha" entre aspas para exorcizar a má sorte. Sei que as aspas não curam, mas eu me nego a dizer que essa fascite plantar é minha... Não é! Fascites plantares não pertencem a ninguém!... Elas são como um encosto que ao invés de subir nas costas do oprimido (fazendo dele um cavalo) grudam nos seus pés (feito ferraduras). Eu que já me denominava um corredor pangaré, agora me vejo ferrado em todos os sentidos.

Além dos pés, as fascites atacam todo o corpo e a alma. Imagino elas avançando lentamente, feito uma sombra, partindo das plantas dos pés e subindo pelas pernas. Elas sugam a tonicidade das pernas, que ficaram ociosas, e chegam à barriga, que ganha volume. Esse volume sufoca o orgulho de qualquer corredor. Quando o efeito sombrio encobre a face, o bom-humor do corredor desaparece.

Corredor com fascite só corre quando um sonho lhe socorre. Ele só treina com os olhos, no facebook dos amigos. Ele só está vivo enquanto sonha, se acorda, está morto... E foi assim que eu me tornei um defunto moderno, psico-digitando aqui minhas memórias... Então vai:

Capítulo I - O Retorno às Corridas

Em 2007, quando eu fiz 48 anos, proclamei solenemente, para que minha mulher e filhos ouvissem:

-- Vou voltar a correr!!

Recebi como resposta uma sonora e coletiva gargalhada. Não que eles fossem debochados - confesso que o debochado da família sou eu - mas é que eu caíra na descrença de tanto repetir aquela frase. Mesmo não tendo razão, eu me senti humilhado. Engoli minha réplica, mas reafirmei em pensamento:

-- Eu vou voltar sim!... Vocês vão ver!!

E viram. No dia seguinte eu vesti o short e os tênis - que estavam encostados - e fui correr no final da tarde. Era incrível: Depois de mais de vinte anos, eu estava correndo de novo!... Fiquei eufórico em poucos minutos e desabalei num trajeto de oito quilômetro, pelas  ruas do bairro. Lembro-me, como se fosse agora, da maravilhosa sensação de voltar a correr.

-- Como pude parar por tanto tempo?" - eu pensava e delirava: -- Eu nasci para correr... Veja como estou correndo forte depois de tanto tempo?..." - dizia para mim mesmo.

Cheguei em casa decidido a nunca mais parar, mas não seria bem assim...

Capítulo II - Benditos Joelhos!

Acordei na manhã seguinte com as pernas doloridas, coisa que eu já esperava. O que eu não esperava foram as dores nos joelhos, que quase me impediram de caminhar na escada. Imediatamente lembrei que os joelhos que me fizeram parar por tantos anos, e desanimei. Dois dias depois, no entanto, eu parecia estar bem e repeti o trajeto. Mas na manhã que seguiu, meus joelhos nem dobravam e eu parei... Parei, mas não estava entregando os pontos: fui procurar uma academia para fazer reforço muscular nas coxas e panturrilhas. Baseei-me no exemplo do meu ídolo do futebol, Zico, que aliviou a contusão dos joelhos reforçando a musculatura das pernas... E não é que deu certo?!... Em pouco tempo eu estava definitivamente de volta!

Capítulo III - Voltinhas na Oliveira Belo

Para quem não conhece, a Avenida Oliveira Belo fica na Vila da Penha. No meio dela passa um rio, margeado por uma pista, com 1.700 metros, para corrida e caminhada. Experimentei trotar ali e gostei, voltando todos os dias. Eu tinha um medo tremendo de desistir, e me ver rodeado de gente seria a estratégia. No trabalho um amigo começou a me emprestar revistas de corrida e eu fiquei de queixo caído... Era como se eu tivesse saindo de uma máquina do tempo, oriundo dos anos 80, para deparar com toda tecnologia esportiva dos tempos atuais.

"Tênis de pisada", "tecidos tecnológicos" e "frequencímetro" eram apenas algumas das expressões de um novo mundo deste esporte. O crescimento da economia fazia do Brasil um mercado promissor, bem diferente daquele Brasil dos anos 80, que assistiu a Maratona do Rio nascer e morrer por falta de patrocínio. Na internet surgiam os blogs de corrida e o orkut passava a vez pro facebook. As capitas do país ficavam cada vez mais repletas de provas e os meus olhos nem piscavam, na ânsia de beber toda informação desse mundo que borbulhava.

Capítulo IV - Corrida Leblon - Leme

(na foto: Corrida Leblon Leme, jan/08)

Li na Revista O2 que estavam abertas as inscrições para a primeira corrida de 2008. Motivado, garanti o meu retorno às provas de rua que descrevi, aqui no blog, desse jeito:

(...) Duas décadas depois, reencontrei a velha namorada - a Corrida. Era manhã de domingo no Leblon e eu já tinha 48 anos, quando larguei na Leblon-Leme. Fiquei tímido para puxar assunto... Ela, Corrida, continuava jovem e mais linda do que nunca. Minha juventude, no entanto, se resumia à atitude de estar ali. Fiquei surpreso quando me vi em seus braços. Tomei banhos de suor e auto-estima. (...)

Depois dessa prova eu me inscrevi em todas as corridas de 10 km. Coloquei na cabeça que correria abaixo de 40 minutos, apesar de quase cinquentão, e cheguei perto. Só não consegui quebrar essa marca porque não sou suficientemente disciplinado. Saí dos 10 k para as meias maratonas, em 2009. Em 2010, estava de volta ao meu país: A Maratona!... Como o descrito num trecho de outra postagem deste blog:

(...) Maratona não é uma prova e sim um lugar. Um lugar que se desloca pelo mundo e abriga pessoas felizes, mesmo que estejam em sofrimento físico. A Maratona é minha terra! Quando eu digo "sou maratonista", refiro-me à minha nacionalidade. Meu país Maratona abriga pessoas das mais diversas raças, culturas e níveis sociais. Meu país Maratona me torna igual, lado a lado os com demais corredores, trocando forças pelo difícil trajeto. Lembro-me de quando completei a Maratona de Buenos Aires 2010 e não contive um forte choro, após cruzar a linha de chegada. Um argentino que veio logo atrás me amparou com um abraço de irmão, dizendo não menos emocionado que eu:

- Campeón... Eres un campeón!...

Desabei em soluços sobre seu ombro solidário e depois nunca mais o vi. Meu irmão argentino e eu somos maratonistas, habitantes de um mesmo país que tem 42.195 metros de emoção. (...)

Capítulo V - Memórias do Defunto Corredor

É necessário estar morto para as memórias saírem do túmulo e despertarem alguma atenção. Eis o lado bom de ser defunto!... Adquire-se respeito - talvez porque as pessoas tenham medo que a alma penada lhes puxe o pé, no meio da noite. Mas fiquem tranquilos: não puxarei o pé de ninguém! Bastou-me ter, em vida, uma fascite que não quisesse largar do meu próprio pé. Agora, morto, só lhe peço atenção para a minha história...

Clique aqui para ler a Parte II...

Abraço!
Bira.



sexta-feira, 23 de outubro de 2015

O Corredor Invisível

(...) Quando cruzou a linha de chegada, Invisível ganhou apenas uma medalha de conclusão. Para ele que almejava um lugar no pódio, essa medalha era um prêmio invisível (...)

Corredor Invisível - foto de instalação composta de tênis e medalhas - Bira.

O Corredor Invisível

Amigos!

Invisível sempre gostou de correr. Desde de criança que ele faz isso todos os dias. O pequeno Invisível corria a caminho da escola, durante o recreio e voltando pra casa. Depois disso, trocava de roupa suada e corria de novo pra brincar na rua. Quando na rua, corria atrás de pipa avoada. Curiosamente, sentia mais prazer em correr atrás de pipa do que em ficar parado empinando o brinquedo... Invisível é do tempo em que as crianças corriam.

Mas o Tempo também poderia ser chamar Invisível, pois feito este, nunca deixou de correr. Só que o Tempo Invisível não corria sozinho. Ele arrastava consigo até quem não corria. Ele fazia as crianças virarem adultos, os adultos virarem velhos e os velhos sumirem no tempo. E foi assim que o Tempo transformou o nosso Invisível em um adulto, longe de escola e de pipa, mas com tênis nos pés.

Certa manhã de domingo, o corredor Invisível estava na concentração de uma corrida no Aterro. À sua volta, cerca de 10 mil corredores, prestes a desabalar. Em meio a tanta gente, Invisível se via sozinho. Quando ali chegou, faltavam poucos minutos pra largada. Por sorte, conseguiu atendimento rápido no Porta-Volumes e teve que pular as grades para se posicionar na frente. Quando deu a partida, teve cuidado para não tropeçar e nem forçar demais o ritmo. Quis fugir do bolo de gente e ao mesmo tempo colar nos líderes. Conseguiu isso nos primeiros quilômetros, até perceber que os atletas de elite abriam e ficavam cada vez mais distantes. Por sua vez, ele também abrira uma grande distância dos corredores, digamos, normais. Foi quando Invisível ficou correndo sozinho, no limbo, entre a multidão e a elite.

Quando cruzou a linha de chegada, Invisível ganhou apenas uma medalha de conclusão. Para ele que almejava um lugar no pódio, essa medalha era um prêmio invisível. Se aguardasse mais um pouco, talvez começassem a chegar seus amigos que ainda corriam na prova, para aplacar sua solidão. Mais amuado que carente, Invisível resolveu não esperar por ninguém e se foi.

Pelo caminho retirou o número de peito e o chip descartável e jogou no lixo. Na viagem de volta pra casa, cochilou no metrô e não viu sua medalha caindo embaixo do banco. Só acordou quando o trem já estava parando na estação de destino e saiu apressado deixando a medalha. Dois dias depois, Invisível não conseguiu encontrar sequer uma foto da sua corrida, nos sites de venda. Pior ainda foi ver que seu nome não figurou na relação de quem fez a prova. Irritado, pensou consigo mesmo:

-- Ué!... Não tenho medalha, nem foto ou registro de que fiz a corrida. Não encontrei nenhum amigo no dia... Ridículo!... Chego a ficar em dúvida se de fato corri, ou se apenas sonhei!...

Precisava de alguma prova de que fez a corrida, para si mesmo. Pensou alguns instantes até lembrar das camisas que recebe nos kits das provas e que guarda no armário, pois nunca foi de correr com elas. Revirou a gaveta até encontrar a camisa da prova e espirar aliviado:

-- Ufa, não estou maluco!... A camisa está aqui!

Conformado, resolveu vestir a peça de roupa e saiu para dar um treino... O que Invisível não percebeu foi que a camisa, que pegou, era da prova do ano passado...


*                *              *


Todas as manhãs, Invisível corria levando consigo o Tempo que ele próprio não via ou tampouco sentia. Foi assim que passou de adulto para velho e um dia, de fato, Invisível no tempo sumiu. Hoje é o Tempo Invisível quem continua correndo por ele. O Corredor Invisível agora é o Tempo... Mas não se iluda: Isso sempre foi assim!

# FIM #
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Obs.: Postagem inspirada no fato de eu ter pedido sugestões de postagem para esse blog e não ter recebido nenhuma. Senti-me um Blogueiro Invisível, mas quer saber?... Fiz do fato uma nova postagem! 
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Abraços!
Bira.


terça-feira, 20 de outubro de 2015

Quando o Leitor participa do Blog!

Amigos!

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Vamos direto ao assunto: Sugira um tema de postagem para BiraNaNet e vamos ver no que vai dar!... Utilize os comentários...

Em sete anos de blog, foram poucas as vezes que eu recebi sugestões. Quando isso ocorreu, no entanto, o resultado foi excelente, como nos exemplos abaixo:


1- Antes de desaparecer do facebook, minha amiga Virgínia me enviou uma pergunta, respondida em forma de postagem. Até hoje não sei se ela leu sua resposta, mas sei que muita gente leu e gostou. A postagem foi intitulada "Além do Blog - Sair do Sedentarismo" é das mais elogiadas e lidas deste blog, segue um trecho:


"(...) Iniciar a correr é como começar a viver. Você é um bebê, não sabe nada, apenas chorar. Essa sua pergunta é como o choro do bebê... Então perceba: você já começou a viver na corrida com esse choro. Bem-vinda!

"Agora, Bebê Virgínia, prepare-se! Você vai continuar chorando muito, para sobreviver. Os bebês estão sujeitos à mortalidade infantil, no primeiros ano de vida. Os corredores estão sujeitos a desistir nos seus primeiros três meses. O corpo dói e precisa se acostumar. A mente precisa desapegar dos velhos padrões. A recompensa é muito pouca, quase nula... Você está disposta a encarar esses três meses? (...)" -- Além do Blog - Sair do Sedentarismo.




2- Foi outro amigo, Antonio Carlos Martins, que me pediu para eu escrever sobre hidratação. Eu tentei lhe explicar que era leigo e só poderia falar sobre o assunto de forma poética... Mas como fazer isso? - perguntei a mim mesmo... A resposta surpreendente veio no poema  "Então Vais Homem Água!", segue uma estrofe:

"(...) Estás correndo e nem imaginas a quantidade de água que evapora de ti.
Sentes o boné encharcado, gotejando incessantemente pela aba.
Teu suor secou, em segundos, ao tocar no asfalto mas tu nem vistes, porque já cruzastes a esquina.
A água que escorreu de ti e grudou tua camisa no peito.
Dentro de teu peito mais água fervilha.
Dentro de teu peito tem um caldeirão de locomotiva.
Só te falta apitar pelos trilhos imaginários desta rua...

-- Então vais, que o pórtico de chegada te espera! (...)" -- Então Vais, Homem Água!





3- Um terceiro amigo, Paulo dos Santos, quis saber qual era o segredo para se manter em forma e como fazer para aprender a gostar de corrida. Copiei o diálogo do messenger e colei aqui no blog, em "A Corrida Gosta de Você!", confira um trecho:



"(...) A Corrida não quer saber se você tem dinheiro, beleza ou prestígio, mas fica caidinha diante de alguém persistente.
Conheço um cara que "não tinha um puto no bolso", era feio e ficava abandonado num canto. Ele portava apenas persistência e vontade...

"Certo dia ele se encontrou com a veloz Corrida. Lançou-lhe o mesmo olhar tímido, que não conseguia seduzir ninguém, e ficou surpreso com a acolhida.
Encantou-se imediatamente com a Corrida e tentou seguir ao seu lado - como quem sobe num cavalo que passa selado... (...)" -- A Corrida Gosta de Você!



4- Meu quarto amigo não era leitor deste blog e nem falava Português. Depois de responder sua saudação, em Inglês, eu utilizeis o tradutor do Google para continuar a conversa. Silvano Kipkirui , acredite, era um corredor queniano em busca de um treinador, em "Meu Amigo Queniano Procura..." Eis um trecho da conversa:



"(...) -- Você tem empresário? - Insistiu meu amigo queniano.

-- Eu não sou profissional. - Retruquei, recorrendo pela primeira vez ao Google Tradutor.

-- Ok... E você pode me arrumar um empresário?...

Fiquei surpreendido pelo pedido de Kipkirui e me vi meio embaraçado. Logo eu que não falo Inglês, teria que dar um retorno ao pedido ajuda naquela língua... Voltei para o Google Tradutor e elaborei a seguinte resposta:

-- Eu não conheço empresários... Eu já li história de corredores quenianos que treinam no Brasil, mas não conheço seus empresários. - Respondi sem ter certeza se seria entendido, e aguardei.

-- Ok... Quando souber me avise...

Meu amigo de Nairobi já ia se despedindo, quando chegou a minha vez de insistir na conversa:

-- Você é maratonista? (...)" -- Meu Amigo Queniano Procura...



Estes são alguns exemplos de postagens provocadas pelos leitores... Quem sabe a gente não consegue produzir mais conteúdo?... Participe!

Abraço!
Bira.

segunda-feira, 12 de outubro de 2015

O Começo e o Fim dos Grandes Treinões.

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O ciclo dos grandes treinões que iniciou com Sérgio Pessoa (de verde) e pode ter finalizado com Erivaldo Zim (sem camisa).

Amigos!

O Começo e o Fim dos Grandes Treinões.


quinta-feira, 8 de outubro de 2015

Sobre Minha Infância...

(...) A verdade é que eu nunca gostei de ficar estudando, tinha coisas muito mais importantes para fazer naquela idade!... Feito macaco, saltava de galho em galho nas mangueiras das casas dos vizinhos.... Pulava os muros para pegar pipa avoada... Caçava rãs no brejo com as mãos! (...)

A única foto de criança que tenho, com apenas 1 aninho, em, 1960.

Sobre Minha Infância...

Amigos!

Nesse Dia da Criança eu não quis apenas postar minha foto de infância no perfil do Facebook, quis fazer alguns comentários sobre essa fase. Depois percebi que tal material daria uma postagem e o trouxe para cá:

Sobre minha infância (1)

Fui criado com uma liberdade que seria inconcebível nos dias de hoje. Sempre lidei com pessoas mais velhas, isso só inverteu depois que eu comecei, de fato, a correr... Faltou alguém capaz de me mostrar o quanto eu era feliz com a vida que eu tinha... Não que eu estivesse abandonado, nada disso, é que os adultos a minha volta talvez nem soubessem que eram felizes também.(06/10/12).


Sobre minha infância (2)

Fui o que se chamava de filho temporão dos meus pais. Era como se eu fosse filho único, pois os meus irmãos mais velhos já eram adultos. Lembro de dois cachorros, Peri e Tupi... Nem os cachorros escapavam da mania que tinha meu pai de batizar seus filhos com nome de índio...(06/10/12).


Sobre minha infância (3)

Queria ser desenhista ou escritor, já que eu me dava bem na escola nesses dois quesitos... No fim das contas, tive que dar graças à Deus por me tornar funcionário público... Já encontrei meios de ser criativo, mesmo no serviço público (pasmem!) quando trabalhei em um almoxarifado... Já consegui compensar parte dos meus sonhos de infância, pintando alguns quadros ou escrevendo postagens no meu blog... Não tenho nenhuma tatuagem no corpo, mas cicatrizes na alma, de onde alguns sonhos foram arrancados... (07/10/12).


Sobre minha infância (4)

Minha mãe era a lavadeira de Irajá. Passava a manhã esfregando roupas no tanque, para passá-las à tarde. Nosso quintal era grande e tinha um monte de frutas: banana, goiaba, jaca, cajá, graviola, manga, laranja da terra, abacate e caju. Tinha um quarador de roupas, para quem não conhece - uma espécie de tapete de pedras de granito no chão. Ali ela estendia as roupas brancas para a luz do sol clarear. Quando o sol estava forte e batia nas roupas, meus olhos quase cegavam diante do brilho... Minha infância teve muito brilho, mas meus olhos às vezes cegavam... (07/10/12).


Sobre minha infância (5)

Moleque precoce, eu ficava no meio da roda de adultos na esquina, até tarde da noite. Naquela época, praticamente não haviam drogas. Irajá tinha apenas dois maconheiros, assim carimbados, que não frequentavam aquela esquina do bem. O máximo que os caras da esquina faziam era misturar coca-cola com cachaça, vez ou outra, mas ninguém me oferecia. As ruas eram mal iluminadas e quando dava meia-noite, Lelo - um dos adultos - saía de fininho e ia em casa, sem que eu percebesse... De repente, na escuridão da madrugada, surgia um fantasma saindo da casa do Lelo!!!... Eu sabia que era ele que estava embaixo de um lençol... Mas todo mundo corria, simulando sobressaltos, e eu acabava me assustando de verdade... Por via das dúvidas, saía em disparada para casa!... Vai que fosse um fantasma, de fato?!... (08/10/12).


Sobre minha infância (6)

A escola Francisco Sertório Portinho era o melhor lugar do mundo!... Não que eu fosse aplicado, na média eu era apenas um aluno bom. Compensava as notas regulares, obtidas nas matérias chatas, com notas excelentes das matérias prediletas. A verdade é que eu nunca gostei de ficar estudando, tinha coisas muito mais importantes para fazer naquela idade!... Feito macaco, saltava de galho em galho nas mangueiras das casas dos vizinhos.... Pulava os muros para pegar pipa avoada... Caçava rãs no brejo com as mãos!... Mas voltando à escola, amava minhas professoras!... Ainda lembro do nome da minha primeira professora, Dona Jacinta, muito embora sua imagem seja apenas um vulto... Dona Jacinta, agora, deve estar no céu, local de difícil acesso... Quando eu morrer, vou pedir a Deus para deixar eu dar uma passadinha lá e reencontrar Dona Jacinta... Nem que seja apenas para eu ganhar um beijo, um abraço e refazer sua imagem na minha lembrança... (08/10/12).


Sobre minha infância (7)

Nas noites de jogo do Flamengo a calçada em frente a casa do Helinho ficava lotada... Sob o poste de luz, juntavam-se Flamenguistas e anti-Flamenguistas, ouvindo as narrações empolgantes do rádio. O Helinho, um dos meus melhores amigos de infância, era torcedor do Fluminense, mas gostava da bagunça. Para garantir a vitória do Flamengo, ele colocava um boneco do Popeye encima do muro. O Popeye tinha uniforme do Rubro Negro, esculpido e pintado no gesso. Era como um santo de gesso, que ficava impassível, sobre o muro. Um santo com postura diferente, exibindo seu muque e fumando um cachimbo sem fumaça. A entidade Popeye ouvia rezas e palavrões, enquanto o Flamengo perdia seu jogo. Para delírio dos Flamenguistas, Popeye atendia aos clamores... Era quando toda a rua estremecia ouvindo do rádio mais um grito de gol!... Aprendi a ser Flamenguista na rua, embaixo daquele poste de luz... (08/10/12).


Sobre minha infância (8)


Mas nem tudo era divertido... Eu não gostava, nem um pouco, que minha casa fosse a última da rua que ainda tinha cerca de madeira, ao invés de muro. Eu já entendia algumas piadinhas maldosas encima da minha pobreza, embora quase todos no bairro fossem pobres também. Detestava, e sentia uma vergonha terrível de conduzir trouxas de roupas que minha mãe lavava, pelas ruas... Minha mãe não sabia ler e recorria a mim para rascunhar suas pules de jogo de bicho. Ela sempre ganhava no bicho!... Um dia, com apenas seis anos, eu resolvi jogar uns trocados que tinha , pela primeira vez. Deu cabra na cabeça e eu acertei!... Comprei bola, um carretel e uma bela pipa, no armarinho. Anos depois, já adulto, tive problemas com jogo por conta dessas causas remotas, mas faz dezenas de anos que tudo já foi superado. Minha infância foi muito intensa! (08/10/12).


Sobre minha infância (9)

Um momento de trauma e de forte tensão ocorreu quando minha mãe recebeu uma carta-aviso do INPS. A nossa casa já acumulava anos de prestação atrasada. Estávamos ameaçados de despejo. Ela ficou desesperada e me abraçou, perguntando o que faríamos. Imagine o desamparo que senti, embora tivesse sendo abraçado por minha mãe!... Depois tudo se resolveu, mas em algum lugar do meu peito ficaram escondidos fragmentos de medo. Meu coração ainda acelera quando eu me lembro desse dia. (08/10/12).


Sobre minha infância (10)

Pedaços de tábua e de ripas viravam carrinho de bilha (rolimã). Bastava serrar a madeira, depois pregar e encaixar as rodas de aço... As ruas do bairro ganharam asfalto para delírio da criançada. Eu estava entre os mais corajosos, que arriscavam descer a perigosa Ladeira dos Marítimos. Não me lembro de tombos nos carrinhos, mas sempre que jogava pelada descalço, chutava o chão. Por mais que eu tomasse cuidado, acabava arrancando o tampão do dedão do pé direito, antes mesmo de cicatrizar o machucado anterior... (08/10/12).


Talvez continue em outra postagem...

Abraços!
Bira.



domingo, 4 de outubro de 2015

Todas as Idades de Lindalva...

Às vésperas de completar 70 anos, a corredora Lindalva Figueiredo me contou sua emocionante história...


Na foto, ela é acarinhada pela filha, Claudinha, em mais um domingo de corrida no Rio - arquivo pessoal
Amigos!

Todas As Idades de Lindalva...

-- Vai fazer seis anos que eu comecei a viver! - enfatizou Lindalva, ao telefone, quando era entrevistada por mim.

Fiquei imaginando sua expressão. A interlocutora tomou fôlego e passou a descrever sua rotina atual:

-- De segunda à sexta eu acordo às cinco da manhã. Depois pego o ônibus e vou para o Leblon ou Copacabana. Treino no Projeto Rio Praia Maravilhosa que tem assessoria esportiva nas areias. Nos finais de semana que não tenho competição, corro da Tijuca até o Horto, o Alto da Boavista ou o Cristo!... Não sinto preguiça - o que tenho que fazer, faço!... Não tenho cansaço!...

Lindalva vai completar 70 anos de vida e eu não poderia deixar de escrever sobre isso. O vigor de sua fala, no entanto, não denuncia os anos passados. Ela fala de sonho e suor como se fossem sinônimos... São os suores de hoje que relata com euforia.

Mas, Os Suores Passados?...

Mas eu também queria saber dos seus suores passados. Daqueles suores gotejados no solo fértil de Timbaúba, município localizado no interior de Pernambuco. Sem dó, fiz Lindalva viajar no tempo. Sair de um paraíso carioca que se descortinou, de fato, aos 64 anos, quando ela começou a correr. Levá-la de volta às durezas de sua terra natal, nas décadas de 50 e 60.

Foi na Zona da Mata pernambucana que Lindalva foi criada, com nada menos que nove irmãos. Logo cedo lhe deram uma enxada - mais precisamente aos cinco anos de idade:

-- Naquele chão dava de tudo!... - relata e complementa: -- Mas em terra de fazendeiro a vida era muito infeliz e sem futuro.

Seu pai não queria que filha mulher estudasse, por outro lado os filhos homens só tinham tempo para trabalhar. Seu pai também não permitia que os rebentos deixassem aquele chão, em busca de algo melhor. Mas um dia aquele chão calou a voz impositora de seu pai... Era início do emblemático 1970 e, antes mesmo que o ano acabasse, Lindalva decidiu deixar a roça.

Cabras, galinhas, rapadura e farofa...

Quando o ônibus da Itapemirim partiu da rodoviária de Timbaúba, rumo ao Rio de Janeiro, eram 11 horas da manhã de sábado, 19 de dezembro de 1970. Dentro dele estava Lindalva, sua mãe, seus irmãos e irmãs casados, juntamente com seus pares. Todos somavam dez. Para que sentassem nas poltronas daquele ônibus venderam cabras, galinhas e juntaram dinheiro. Para trás deixavam uma vida dura e cansativa. Pela frente teriam uma viagem dura e cansativa: a dureza e o cansaço ainda lhes acompanhariam... Vinte e cinco anos de dureza viajavam com Lindalva (e quantos anos duros viajavam com todos os passageiros daquele coletivo?).

As luzes do dia e da noite se revezavam nas janelas da condução. Ali penetrava um vento quente, às vezes fresco, que servia de alento ou respiro. Rapadura e farofa estocada, servia de alimento. Até que todos chegassem no Rio na segunda-feira, 21 de dezembro de 1970.

Pendurado na banca da Rodoviária Novo Rio, o Jornal do Brasil dava destaque ao sequestro de um embaixador suíço, na Glória, com participação do guerrilheiro Carlos Lamarca. Nada daquilo, no entanto, parecia afetar a vida daquele grupo de migrantes. Eles sequer sabiam ler e seu destino final estava bem longe dos bairros da Zona Sul. Rumaram para Inhoaíba, na Zona Oeste - a 60 quilômetros dali. Morariam entulhados numa casa de apenas dois cômodos, onde até então, só morava uma tia de Lindalva. Dormiriam embolados nos lençóis que se espalhariam pelo chão... Até que tudo se ajeitasse.

Logo Lindalva foi trabalhar de doméstica em Campo Grande, mas ficou só três meses no serviço, pois o seu patrão espancava a mulher. Arrumou outro emprego em Madureira, onde permaneceu por cinco anos e conheceu seu marido. Aos 28 anos ficou grávida, mas seu casamento não deu certo. Separou-se e foi trabalhar em uma residência na Praça Mauá - Centro do Rio. Continuou tocando a vida sozinha. Mas quando sua filha completou quatro anos, foi à procura do marido para registrá-la. Voltou a conviver com ele e foram morar em Senador Camará.

Como se Fosse Um carimbo...

Dias, meses e anos viraram décadas... O Jornal do Brasil continuava pendurado na banca da Rodoviária, mas não parava de trocar suas manchetes. A vida de Lindalva, no entanto, possuía sempre o mesmo texto, como se fosse um carimbo:

-- Continuei trabalhando como doméstica ou faxineira... Não saía para lugar nenhum!... Meus dois momentos de felicidade foram a festa de 15 anos e a formatura de minha filha.

Quando, em 2010, o Jornal do Brasil deixou de ser publicado, os tempos já eram outros: Guerrilheiros haviam virado governantes, bancas de jornais viraram bombonières... Logo na época em que Lindalva estava, enfim, se alfabetizando, foi que os jornais resolveram acabar?!... Não, não é bem assim... É que as notícias se libertaram do papel, feito Lindalva que há 45 anos desenraizou-se de uma fazenda longínqua!... É que hoje, Lindalva não fere mais o chão com golpes de enxada, mas beija-o com seus tênis! Cada passo que dá, numa corrida, é um beijo de gratidão! Um acalento na terra que não calou o grito mudo de seus sonhos, como um dia calou seu velho pai.

Lindalva aposentou-se em 2005, aos 60 anos, mas continuou fazendo faxinas. Teve problemas de pressão arterial e procurou um médico, aos 64. O médico recomendou que fizesse caminhadas. E foi aí que a sua vida começou, enfim, a mudar...

Sua filha Claudinha, que já era corredora, começou a levar Lindalva para caminhar no Aterro. Enquanto a mãe caminhava, Claudinha corria. Lindalva adorou, mas queria mesmo é correr. Fazia isso escondido da filha, aproveitando dos momentos que a mesma dobrava uma curva. Para sua alegria, o médico liberou a corrida que sua filha parou de controlar.

Matriculou-se no colégio Santo Inácio, onde foi galgando cada série do ensino fundamental. Deixou de pegar ônibus pela cor e começou a se comunicar melhor com as pessoas e o mundo.

Todas as idades de Lindalva hoje correm com ela. Todos os seus tempos tolhidos vão com ela estudar. Imaginei, comigo mesmo, que no Colégio Santo Inácio ela fosse uma das alunas mais queridas. Quis conferir, conversando com uma professora. Quis perguntar à sua mestra:

-- Você conhece a história de Lindalva, tanto quanto conhece as histórias dos outros heróis dos seus livros?

Quis saber:

-- Qual é a sensação de uma professora ao instruir uma aluna que tem muito mais para lhe ensinar?

Mas eu não consegui falar com a mestra. Consegui apenas uma mensagem no celular, dizendo:

-- Olá! Estou em Sala... Será um grande prazer testemunhar sobre uma pessoa tão iluminada como D. Lindalva... Abraços, Fabiane.

Pensando bem, foi melhor assim... Melhor não ficar esmiuçando mais detalhes ou essa postagem não tem fim!...


Lindalva atrai olhares ao completar a Golden Four Asics 21 km, na Praia de São Conrado, no Rio.

A Represa Lindalva!

Conheci Lindalva Figueiredo em 2014. Foi num treinão muito puxado e concorrido, de subida às Torres da Serra do Mendanha - recanto desconhecido para a maioria dos corredores cariocas. Duvidei, em pensamento, que aquela senhora pudesse vencer o duro percurso inclinado. Eu estava totalmente enganado... Só agora sei que a juventude de Lindalva ficou, durante décadas, represada no corpo e na alma. Agora vislumbro sua emoção quando me disse:

-- Faria por tudo de novo para ter a vida que tenho hoje!

Considero essa frase fantástica, quando vinda de alguém que beira 70 anos de idade. Considero que Lindalva resgata, hoje, todas as suas idades, a tempo de ser feliz. Pelo asfalto, seus sonhos se misturam aos sonhos dos jovens atletas que lhe rodeiam. Pelas trilhas, ela goteja o mesmo suor de companheiros que poderiam ser seus netos. Sua voz se mistura às vozes dos corredores de idade mediana, enquanto seus pés se afundam nas areias que bordam o mar.



Lindalva e seus amigos, pouco depois de completar a Subida do Cristo


Por telefone, pedi que Lindalva encerrasse essa postagem transmitindo a todos uma mensagem, e ela falou:

-- A vida é boa e maravilhosa quando a gente dá valor a ela... Quando a gente faz o que gosta é melhor ainda!


Atualização da postagem  (em 12-02-18):

Depois desta postagem, D. Lindalva foi se tornando cada vez mais conhecida dentro e fora da corrida. Completou a Maratona do Rio, nos anos seguintes, onde tem o privilégio de fazer o aquecimento junto com os atletas de elite. Várias matérias foram publicadas sobre ela, em jornais e TV, nenhuma com tantos detalhes quanto essa.


( Esta postagem foi reproduzida integralmente pelo blog PULSO, do Jornal O Globo, confira clicando no link: http://blogs.oglobo.globo.com/pulso/post/todas-idades-de-lindalva.html?utm_source=Facebook&utm_medium=Social&utm_campaign=compartilhar )

Abraços!
Bira.