domingo, 30 de abril de 2017

Escolhi a Corrida!


Fui correr a Maratona do Rio'85, do nada, sem estar habituado a correr ou dar um treino sequer - foto da chegada.  

Escolhi a Corrida!

Amigos!

Talvez eu tivesse apenas dez anos de idade quando escolhi a corrida!...

... Era noite e meu irmão, já adulto, mandou que eu comprar coca-cola. Faz quarenta e sete anos, mas eu me lembro da carreira que dei. Corria levando nas mãos a garrafa de vidro do refrigerante "tamanho família" - naquele tempo não existia garrafas pet e era preciso retornar um casco vazio na compra de um cheio. Possivelmente eu estivesse descalço, pisando no chão acidentado e sem calçamento, como era costume. Ignorei os riscos de me ferir e fantasiei que fosse um atleta em plena competição. Experimentei o prazer transbordar pelos poros, feito a coca-cola que transbordou na mesa, durante o jantar... E eu nunca mais quis parar de correr!

Cresci mais um pouco e fui jogar futebol, onde eu só era escalado nas pontas. Nunca fui bom com a bola nos pés, mas quando lançavam a bola nos francos eu corria demais. Corria para pegar pipa avoada, mas nem queria empinar o brinquedo depois, apenas correr atrás de outra... Corria atrás de um balão apagado ou atrás de outro moleque, no pique. Saía de casa atrasado e ia correndo para a escola. Retornava da escola, às carreiras, para chegar logo em casa. Sempre encontrava motivos que me fizessem correr.

Mas, no silêncio daquelas noites, o tempo sorrateiro surgia feito um rato...

... Cirurgicamente, o tempo surrupiava pedaços da minha infância, sem ninguém perceber. Noite após noite, furto após furto, toda minha infância pareceu se esvair. Então, para os outros, o meu corre-corre foi perdendo a graça. Eles disseram que eu tinha que trabalhar e ao mesmo tempo estudar. Estudei e trabalhei e não tive mais tempo para nada, muito menos correr. Gente, daquela época, também dizia que "pobre correndo era ladrão ou maluco". Eles diziam isso sorrindo e fumando com o charme dos galãs de Hollywood, que não sabiam atuar sem um pito na boca. O jeito foi eu parar correr e tentar aprender a fumar, feito eles, mas, felizmente não consegui.

Talvez eu tivesse vinte e cinco anos de idade quando escolhi a corrida, outra vez!...

... Eu desfolhava o Jornal do Brasil, no intervalo de almoço da loja onde eu trabalhava. Vi que se aproximava uma grande prova - a Maratona do Rio de 85 - e sem pensar fiz minha inscrição. Seriam 42 quilômetros a serem vencidos, por mim que nem treinava (e pelo visto sequer pensava) mas fui! A longa batalha durou 5 h e 27 min, mas o orgulho que senti perdura até hoje. A partir dali, voltei a correr sem me importar com o que eles diziam. Fiz mais duas maratonas, superei algumas lesões e as pedras que surgiram no caminho. Só sucumbi diante das pedras que surgiram nos meus rins... Então, desisti outra vez.

Talvez eu tivesse quarenta e sete anos de idade quando escolhi a corrida, pela enésima vez!...

... Eu precisava descongelar o ânimo da infância e consumi-lo no dia a dia. Ainda dava tempo de fazê-lo, bastaria voltar a correr! Parte daquele moleque, que ia correndo comprar coca-cola, ainda hibernava dentro de mim: O menino-corredor soube se esconder do tempo-sorrateiro-feito-rato, que desistiu de procurar para roê-lo até o fim. Então, voltei para aquilo que sempre escolhi!

Talvez eu tivesse nascendo quando escolhi a corrida!...

... Talvez tivesse feito isso todos os dias, mesmo quando não corria, mas mantinha o menino-corredor escondido em mim. Hoje, sou eu que percorro a cidade dentro do menino - meu abrigo. Ignoro o que eles dizem. Ignoro o tempo roedor. Resisto o quanto posso, naquilo que escolhi... Escolhi a Corrida!

Abraços!

Bira.

domingo, 23 de abril de 2017

Um-Corredor-Como-Você...

Um-Corredor-Como-Você...

Corredor Disperso: Gif composto com recortes de imagens da internet - Bira, 23-04-2017.

Amigos!

Um-corredor-como-você acordou de manhã, tomou banho, café e saiu para treinar. Deparou com a cidade estirando tapetes de asfalto molhado de orvalho, para ele pisar. Uma brisa suave fez carícias em seus ombros enquanto os pássaros saudavam a manhã. Aquele ar renovado penetrou no seu peito, refrescou sua alma e animou sua largada... Então, pôs-se a correr e a aquecer feito o dia!

Um-corredor-como-você dobrou dezenas de esquinas e migrou entre os bairros, enquanto o sol se elevava e a manhã se perdia. Pouco a pouco, o calor expulsou o orvalho do chão. Gradualmente, o burburinho da metrópole abafou a cantiga dos pássaros. Logo, logo, o batuque das suas passadas não alcançaria mais os seus ouvidos. Muito menos os bipes do frequencímetro ou o pulsar do coração... É que uma orquestra confusa de buzinas, freadas e autofalantes poluíram o dia. Feito um corredor, fora de forma, o dia começou a ofegar.

Um-corredor-como-você ignorou os problemas do dia e fez verter no suor os seus próprios problemas. Sentiu-se livre como o vapor que dele saía. Pegou carona no vento e, sem se importar, misturou-se à fumaça que no ambiente crescia. Fez parte do caminho por onde passou por eternos instantes. Cada passo que deu, configurou uma conquista de si mesmo ou da cidade:

-- Outra rua, outro bairro!... Novas descobertas na mesma metrópole e novos desejos no mesmo ser!... Desejou correr pelo mundo e essa utopia fez seus olhos brilharem!

Um-corredor-como-você esqueceu que enquanto corria seu corpo exauria e não queria mais parar. Correu até o cansaço da manhã. Depois, aplacou a sede na fome da tarde. Por fim, recuperou seu o corpo no sono da noite. Até que outro dia lhe acordou renovado:

-- Outra manhã, outro despertar!... Novas descobertas na mesma cidade e novos caminhos dentro e fora do ser!... Sem querer, fundiu todo o mundo na visão distorcida pelo balanço de outra corrida!

Um-corredor-como-você é condutor da esperança no olhar que une o mundo. Humano que é, ele pode até sorrir e sofrer no decurso do mesmo dia, mas sabe que tem sempre outra manhã a lhe esperar!

Abraços!

Bira.


domingo, 16 de abril de 2017

Correndo e Fingindo, Para Sobreviver


Muro Pichado - composição com imagens da internet utilizando Gimp e Paint - Bira, 16-04-2017.

Correndo e Fingindo, Para Sobreviver.


Amigos!

---- Quem é esse moço que finge correr em meio ao caos da cidade? 

Correndo e fingindo ignorar o bandido que pode surgir
---- a qualquer momento ----
na garupa de uma moto anunciando: "Perdeu!"

Correndo e fingindo não ver os miseráveis
---- embaixo do viaduto ----
semeando lixo e regando com urina.

Correndo e fingindo não lamentar o picho do muro
---- à beira da estrada ----
nem o ônibus incendiado e a estação depredada.

---- Quem é esse moço que corre fingindo em meio ao teatro de caos da cidade?

Fingindo que o ar
---- que entra no peito ----
não leva impureza...

---- Correndo para não ver impureza nos olhos da plateia.

Fingindo que seu coração
---- de corredor sadio ----
só quer bater em paz...

---- Correndo para não ser mais um destruidor do próprio cenário.

Fingindo um sorriso na selfie
---- depois do treino ----
postado nas redes sociais...

---- Correndo para não ver que nas redes o fingimento é verdade.

---- Quem é esse moço que passa fingindo correr de verdade?


Diante daqueles que fingem sorrir tendo ao lado quem chore a verdade.
Sob as gargalhadas do sol que atraem nuvens de inveja.
Acima da crise que assola o país e congela as pessoas que não sabem correr...

---- Quem é esse moço que passa correndo e fingindo para sobreviver?


Abraço!
Bira.