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Tênis de Chuva e Flores - Montagem com recortes de imagens de internet - Bira, 06-01-18. |
Meus Tênis de Chuva
Amigos!
Meus tênis de chuva estão desgastados nas solas, têm marcas de atrito na entressola e puídos no cabedal. Eles também precisam de uma boa lavada que eu não tive tempo de dar. É que depois da última vez que corremos, só eu tomei banho. Já eles, ficaram embaixo de uma goteira para se livrar dos respingos de lama. Depois disso, secaram aos poucos e ganharam um cheiro de cachorro molhado. Feito um cão molhado, meus tênis de chuva nem entram mais em casa. Arrumei um canto para eles, do lado de fora, onde repousam dos treinos sem sequer latir.
Mas nem sempre foi assim...
Ainda lembro do primeiro dia com eles, novinhos, em minhas mãos. Suas cores brilhavam, dentro dos meus olhos, e seu leve cheiro de borracha sintética, feito perfume, invadiam meu peito. Acalentei-os, antes de experimentar sua maciez nos pés. A sensação foi tão boa que eu tive pena de estreiá-los na poeira do asfalto. Fiquei um bom tempo levando-os para trabalhar no escritório, comigo, ou passear-mos no shopping, feito namorados. Aleguei, pra mim mesmo, que eles precisavam amaciar antes de correr pelas ruas.
Dissipada a paixão, encaramos os treinos e nos tornamos bons companheiros. Na primeira corrida que fizemos, meus tênis se viram acuados, no corredor de largada. Viram, no seu entorno, um emaranhado de pernas ansiosas pela partida e uma multidão de tênis inquietos de todas as cores e todas as marcas. Enquanto isso, eu tentava enxergar o display da contagem regressiva, no alto do pórtico, ignorando as imagens ao nível do solo. Quando a sirene tocou, veio o frisson da largada e a energia dos corpos em movimento repentino. Naquele momento, meus tênis descobriram para que vieram ao mundo e desabrocharam, feito flor.
Meses velozes passaram feito corredores de pista...
Sem que eu desse conta, meus tênis se desgastaram no solado sob o calcanhar. Percebi que eles também já não tinham o mesmo amortecimento que antes, mas prossegui. Certo dia, entrei na loja de artigos esportivos e deparei com outro par, em promoção. Eles tinham brilho, cheiro e maciez de calçado novo. Não resisti e comprei. Então tudo se repetiu: tive pena de colocá-los para correr na rua. Amaciei-os, primeiro, no escritório ou no shopping. Enquanto isso, o outro par continuava se desgastando nos treinos de asfalto.
Quando pensei em jogar fora meus velhos tênis, janeiro chegou...
Vieram as tardes chuvosas e os rastros de lama nas ruas. Meus velhos tênis não foram para o lixo, mas viraram meus tênis de chuva. Na primeira tempestade, pingos grossos despencaram do céu, trazendo uma alegria que só quem corre na chuva consegue ter. Para colher esse contentamento, tem que ter coragem e se livrar do guarda-chuva. É preciso perder o medo da trovoada ou de olhos alheios. Desmanchar, numa pisada, seu próprio reflexo na poça d'água do chão.
A poeira da estrada virou lama que cubriu os cabedais dos meus tênis e respingou minhas panturrilhas. Meu olhar, atento ao trânsito, ignorava tais detalhes. Eu não poderia deixar que o prazer que sentia terminasse num trágico escorregão. Meus tênis de chuva chafurdavam com a alegria dos porcos, e outra vez desabrocharam como lírio no lodo!
Meus tênis de chuva estão desgastados nas solas, têm marcas de atrito na entressola e puídos no cabedal. Há algum tempo perderam o status de tênis principal para outro novinho e quase foram para o lixo. Ainda bem que existem as fortes chuvas, das quais os fracos se abrigam e os bravos até conseguem ser felizes. Meus tênis de chuva me ensinam a ser forte e feliz, encontrando alegria nas condições onde muitos só veriam o sofrimento.
Abraços!
Bira.