(...) Pensou em sair de fininho mas o garçom, do chopp bem tirado, gentilmente lhe sorriu ao colocar mais um copo espumante e suado na mesa (...)
Montagem com imagens de amigos que saem do Facebook para festas - Bira, 2012. |
Um Corpo Errante
Amigos!
Quando chegou na festa, Solano recebeu as
boas-vindas da bandeja do garçom que logo passou servindo um chopp
geladíssimo. O apreciador da bebida, não se fez de rogado e pegou
um copo. "É um chopp bem tirado" - comentou para si mesmo. Se o líquido gelado deslizava sobre a língua e escorria na a
garganta, minúsculas bolhas de espuma explodiam liberando prazer.
Mas o prazer não lhe sequestrou por mais que de
cinco minutos. Logo percebeu que estava em pé num vasto salão onde
não conhecia ninguém - que furada! Havia mesas disponíveis, todas
com quatro cadeiras. Para não evidenciar seu deslocamento, preferiu
não sentar e aproximou-se do bar. Para ganhar tempo, entrou na fila
dos coquetéis e, outra vez, falou consigo mesmo: "O que eu
estou fazendo aqui?!"
Era culpa do Facebook, por onde a aniversariante
Fernanda lhe enviou um convite para a festa. Foi lá no Face que
conheceu a moça há mais de um ano. Recebeu e aceitou seu pedido de
amizade, mas não sem antes consultar o perfil da gata e conferir que
possuíam 40 amigos em comum. Deu início, então, a uma relação de
troca de "curtições" e comentários, "memes" e
mimos... Até que um dia, justamente no momento em que espiava as
fotos do perfil da Fernanda, ela surgiu no chat de bate-papo,
dizendo:
- Olá!...
Levou o susto de quem é flagrado, mas logo caiu
em si:
- Que coincidência!.. - confessou respondendo -
Estava no seu perfil vendo as fotos de Buenos Aires... Que bacana!
- Gostou?... Foi o presente de aniversário que eu
dei para mim mesma: uma viagem com as amigas!
Rápido como um raio, Solano concluiu que
Fernanda não estava namorando. Além de seus pais ou seu irmão, nas
fotos do perfil não aparecia mais ninguém lhe beijando ou abraçando
e, como quem não quer nada, falou digitando:
- Parabéns!... Dizem que é falta de educação
perguntar idade, mas não para uma gata como você...
- To com 23 - digitou Fernanda.
- E a festa do seu niver foi boa?
- Vai ser amanhã, lá no Universitário. Estou te
convidando.
- Sério??
-Sério! Vou lhe mandar um e-mail de confirmação
com cópia para os organizadores que anotarão seu nome. Você vai?
- Vou. - respondeu Solano, sem pensar, e logo
saíram do bate-papo. Um foi tomar banho e o outro dormir para
acordar cedo...
- Senhor... Senhor... É a sua vez... Qual é o
coquetel da sua escolha? - Agora foi a voz do coqueteleiro da festa,
que trouxe Solano de volta ao desconforto local.
- Bem... Pode ser uma caipirinha com vodca mesmo,
você faz?... Mas me diz uma coisa: Onde está a aniversariante que
eu nem vi? - perguntou reservadamente ao rapaz do bar.
Fernanda ainda nem tinha chegado. Então Solano
correu os olhos pelo salão, a começar pelo palco onde um DJ
manejava seus equipamentos. A pista de dança ainda estava vazia, bem
como metade das mesas ao entorno. Algumas foram juntadas para
comportarem dois grupos maiores. Um grupo no canto mais distante do
palco e outro bem ao centro do salão. Contou onze cabeças no grupo
do centro. Ali todos tinham percinges, tatuagens e cabelos com cortes
alternativos, às vezes coloridos. Batons, esmaltes e roupas pretas
eram pontos comuns entre quase todos, que bebiam cerveja e sorriam, tirando
fotos com celular. Solano gostaria de saber em torno de que assunto
aquela turma gravitava, mas não gostaria de se transformar num deles
para receber uma chave de acesso.
Não conseguiu ver detalhes de um outro grupo mais
distante. Apenas que seus membros eram menos extravagantes. Entre
bebericamentos, eles tentavam desenvolver algum assunto em concorrência
com a música alta. Solano apostaria que seriam amigos de trabalho da
Fernanda e que o cara mais velho do grupo, seu chefe.
Solano também gostaria de saber o que falavam, mas caiu em si ao
perceber esse desejo, e pela terceira vez falou consigo mesmo:
- Puta que pariu!... Sou um corpo errante nesta
festa!
Pensou em sair de fininho mas o garçom, do chopp
bem tirado, gentilmente lhe sorriu ao colocar mais um copo espumante
e suado na mesa. Relaxou para beber mais um gole e constatou que o
salão já estava quase cheio, quando o pessoal da mesa ao lado pediu
licença para pegar uma de suas cadeiras.
- Pois não, pode pegar! - respondeu com um
sorriso falso de quem pensava: "Até as cadeiras vazias estão
me abandonando!..."
Naquele momento as luzes se apagaram e um holofote
foi aceso, lançando seu foco para a porta de entrada,
iluminando Fernanda que ali surgiu - no melhor estilo dos lutadores
de UFC. O DJ aumentou o som e tocou o refrão de "Like a
Prayer", com Madonna. A estrela da festa ergueu os braços
balançando os cabelos no transe da música e invadiu a pista de
dança, agora tomada por gente. Luzes coloridas tingiram a fumaça
cenográfica que aspergia do palco. Fachos de laser varavam o ar,
potencializando o movimento das pessoas. Estupefato, Solano
observava, lá de sua mesa, a transformação do ambiente. Quase
todos ao seu lado foram para a pista, mas agora ele tinha o escuro
como aliado, então continuou sentado e bebericando.
Solano gostaria de dar parabéns à Fernanda, mas
naquele contexto isso seria inconveniente e pensou: "Que
loucura!... Estou numa festa de aniversário onde é impossível
falar com a aniversariante, que aliás, nem conheço pessoalmente e
onde não conheço ninguém!... Eu poderia ir embora ou me infiltrar
entre a fumaça da pista que nada mudaria, a não ser pelo meu ponto
de vista..." Então ergueu o copo e falou em voz alta:
- Estou invisível!... Um brinde à minha
invisibilidade!
Foi quando um facho errante de luz, num instante,
atravessou e iluminou o copo erguido. Era luz refletida e partida em
pedaços por um globo espelhado, pendurado no teto. Solano olhou para
o globo e lembrou do baile de despedida da sua turma de ensino médio,
em 2001. Tinha quinze anos e namorava a menina mais bonita da escola.
Tirava as melhores notas e era um dos craques no futebol de salão.
Só que seus pais mudaram de cidade e ele não se enturmou de novo.
Ficou cada vez mais errante. Perdeu popularidade mas descobriu o
Orkut. Hoje, ele tem o Facebook. Na rede, reencontrou seus amigos de
escola e acrescentou muito mais gente. Era tantos amigos, que se
tivesse de encontrá-los cara-a-cara, levaria anos fazendo isso.
Descobriu que na internet os errantes se agrupam num clique e
aprendeu a clicar como ninguém.
- Mais um chopp, Senhor? - era o garçom passando
de novo.
Aceitou outro copo. Pensou em falar alguma coisa
com o garçom mas desistiu: se aquilo ali fosse internet o status do
garçom seria "ocupado". Não sei dizer se Solano já
estava bêbado, mas naquela hora concluiu que na internet não
existia solidão - tem sempre alguém online, no Face, trocando "memes"
e mimos, como fez Fernanda na hora que lhe convidou. Se
presencialmente Fernanda está offline, tem muito amigo online
esperando pelos seus cliques... Era isso que Solano precisava para
enfim deixar a festa.
Abraços!
Bira.
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