Correndo no Texto - gif animado produzido com Gimp e Paint - Bira, 10/07/15. |
Onde está a Corrida neste texto?
Ontem à noite eu saí do trabalho e segui caminhando pela Avenida Rio Branco. A rua mais conhecida do Centro do Rio está tomada por obras do VLT (veículo leve sobre trilhos). De suas quatro pistas sobraram duas, abarrotadas de ônibus que parecem búfalos em um curral. Eles flatulam petróleo no ar, enquanto disputam cada centímetro de asfalto.
Tudo se mostrava confuso no cruzamento com a Nilo Peçanha. O apito incessante do guarda despontava no burburinho do trânsito. Um rapaz tatuado tinha fones nos ouvidos e, isolado de tudo, volta-e-meia esbarrava em alguém. Um cone caído no meio do asfalto parecia gemer sob as rodas de um veículo. Um pedinte gemia (de verdade?), sentado na calçada de um banco fechado. Uma senhora, mais assustada que precavida, abraçava sua bolsa para não ser roubada... Finalmente o sinal de pedestres se abria e aquela gente apressada cruzava entre si, no meio da pista.
Onde está a Corrida neste texto?
Próximo à Candelária, esquina com a Avenida Presidente Vargas, a impaciência pairava nas luzes vermelhas dos sinais de trânsito. Aparelhos de ar condicionado cuspiam gotas d'água nas calçadas, assustando as pessoas que têm medo de chuva. Motocicletas serpenteavam nos corredores dos carros parados na pista, assustando as pessoas que não esperavam o sinal fechar para atravessar a rua.
Tudo era tenso, tanto quanto as notícias penduradas nas bancas de jornal. Aquelas mesmas bancas que quase não vendem mais os jornais de papel que ninguém lê. Agora quem entra nas bancas não é mais atraído pela bala perdida da manchete, mas pelas balas e doces expostos em potes. Os tempos de hoje portabilizam as notícias no display do smartphone. Enquanto as pessoas se apressam para atravessar as dez pistas da Presidente Vargas, esses aparelhinhos não param de apitar ou vibrar, na bolsa ou no bolso. Do outro lado da rua, camelos ou cadeiras de uma lanchonete tomam conta da calçada. Mas ninguém dá bola para o fato, eles só querem pegar um ônibus e chegar em casa.
Onde está a Corrida neste texto?
Para colocar a Corrida neste texto eu preciso voltar três anos no tempo. Quando eu treinava para correr maratonas e tinha que cobrir mais de 100 quilômetros semanais. Não me restava outra alternativa senão correr à noite, ao sair do trabalho. Trocava de roupa em uma academia próxima à Praça Mauá, quando ainda estava escurecendo. Corria, ida e volta, do Centro até Copacabana. Quando voltava, percorria quase toda a Avenida Rio Branco. Tudo bem que ainda não tinha as obras do VLT e o auge do horário de rush já havia passado, mas ainda circulava muita gente na ex-Avenida Central. Eu pouco ligava para quem estranhasse me ver correndo ali. Eu estava dando o meu jeito de cumprir a meta semanal.
Mas o que eu quero mesmo dizer, é que quando eu ali corria, não via ônibus virarem búfalos nem o rosnar tenso das motos e de toda gente que não quer esperar para atravessar a rua. Nada afetava meu humor, depois de correr na Praça XV, Aterro, Botafogo e Calçadão de Copa. Quando eu chegava em frente ao Hotel Copacabana Palace consultava o Garmim, para ver se meu tempo fora bom. Comprava uma garrafinha d'água e voltava a correr. Iluminado pelas luzes noturnas do Aterro, tomava todo cuidado para não tropeçar no retorno. Sem saber, eu estava no melhor de minha forma, muito acima das tensões urbanas.
Ontem na Rio Branco eu me peguei tenso e impaciente, como toda gente que não sabe o que é correr. Natural, estou sem correr há oito meses e esperando por melhores dias. A corrida não está na minhas pernas, mas não sai da minha cabeça e invade meu texto. A corrida está aqui, no lado radiante de um texto urbano, feito por quem acredita que seus melhores dias voltarão!
Abraços!
Bira.
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