Fritando tênis no asfalto - recorte de imagens da internet... com Gimp. |
Um Pedaço de Asfalto para Fazer meu Longão...
Amigos!Tudo que eu preciso é de um pedaço de asfalto, rente ao meio fio, para fazer meu longão...
Não faço questão de correr rente ao mar, entre o sopro da brisa e o barulho das ondas. Pode ser aqui mesmo, na Vila da Penha, rente ao valão da Oliveira Belo e a estridência do carro do ovo. "São 30 ovos por 10 reais", 30 minutos por meia dúzia de quilômetros... Nada excepcional, ninguém famoso passando tanto quanto o meu passar. Às vezes os carros teimam em não me ceder espaço que eles próprios disputam entre si. Às vezes, tenho que correr nas calçadas, repletas de crianças, idosos, camelôs, sacos de lixo e lixo fora do saco. Diminuo a velocidade, quase paro. Passo em frente ao sacolão, que instalou uma barraca no meio do caminho, vendendo ovos: "São 30 por 10 reais"... E eu completo mais 30 minutos de treino em 10 quilômetros de percurso.
Tudo que eu preciso é de um pedaço de asfalto, rente ao meio fio, para fazer esse longão...
Não faço questão de correr em clima ameno, entre as seis da manhã e o gorjear dos pássaros. Tem vez que eu só posso correr por volta das 11, hora que é possível "fritar ovos no asfalto". Aqui, onde eu corro, 2017 foi o Ano do Carro do Ovo: Tenho 30 ovos na cartela e estou a 30 quilômetros do mar. Corro onde brisa marinha sente medo de soprar. Ao longe, vejo os morros que deveriam verdejar, mas têm a cor dos tijolos das paredes sem reboco. Corro acuado pelo tráfego, dependendo de onde passar, pelo tráfico. O movimento o meu corpo não se compara ao "movimento" ilegal das drogas. É que os efeitos das endorfinas, no meu cérebro, não destroem minh'alma. Sou adicto do bem. Não me ocupo em saber do preço das drogas no morro, saber o preço da cartela de ovo é suficiente. No mais, a beta endorfina é de graça!
Tudo que eu preciso é de um pedaço de asfalto, rente ao meio fio, para fazer esse longão...
Descobri que a chave da cidade foi talhada no solado dos tênis. Descobri que quando amarro, ali, meus pés, estou ganhando livre acesso para todos os lugares. Sinto a liberdade fluir de baixo para cima, subindo pelas pernas, cruzando o peito, para contagiar minha cabeça no contra-fluxo do suor.
Percebo que a corrida também faz de mim uma cidade. Minhas veias são minhas vias, ruas, capilares condutores de energia. Acesso a mim mesmo. Sinto prazer, abro um novo sorriso e meu olhar cintila pedaços da alma... Estou renovado e nem dou conta que estou correndo, até que passa outro carro estridente do ovo. Desligo o piloto automático, ouço o aplicativo dizer que já completei 20 quilômetros do trajeto.
Tudo que eu preciso é de um pedaço de asfalto, rente ao meio fio, para fazer esse longão...
Descobri que a chave do céu não tem forma, tão pouco se situa. Descobri que quando sonho, e corro, o céu projeta meus desejos. Passo a correr entre um rebanho de nuvens-ovelhas, na imensidão do azul. Já não estou no próprio corpo encharcado de suor, pois escapei no seu vapor. A corrida faz com que eu vire nuvens-ovelhas... Hei de chover no fim da tarde, ou amanhã, ou quando meus sonhos se tornarem realidade. Fluindo no céu, vejo aviões cruzarem por todos os lados. Um deles descerá no Aeroporto do Galeão, a poucos quilômetros de onde meu corpo ainda corre. Descerei junto com ele e re-encorporarei em mim mesmo para terminar o meu longão.
Tudo que eu preciso é de um pedaço de asfalto, rente ao meio fio, para fazer esse longão...
Completo os 30 quilômetros de treino, um para cada ovo da cartela do carro. Enquanto isso, o Ano do Carro do Ovo está chegando ao fim... 2017 foi um dificílimo longão para tanta gente, neste país. Tenho a sorte de ser corredor e poder suplantar os problemas no próximo treino. Entro em uma padaria, abro a geladeira para pegar um isotônico. Saco do bolso uma nota de 10 reais e dou ao caixa. Neste momento, passa o Carro do Ovo anunciando seu produto e eu tenho noção do valor daquela nota.
Abraços (de feliz ano novo)!
Bira.
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